Resenhas

Boogarins – Lá Vem A Morte

Terceiro trabalho do quarteto é minucioso e rico em trazer uma plena reflexão sobre a percepção e sinestesia

Loading

Ano: 2017
Selo: Silliterme Produções Musicais
# Faixas: 8
Estilos: Rock Psicodélico,
Duração: 27:12
Nota: 5.0
Produção: Benke Ferraz

O psiquiatra britânico Humphry Osmond definiu “psicodelia” como “o que revela a mente” e esta parece ser a concepção mais abrangente e básica do termo. Entretanto, apesar de interessante, é difícil entender como esta definição pode ser justificada com nosso senso comum da música psicodélica. A mente pode revelar tristezas e tormentos na sonoridade Emo e, mesmo assim, teríamos dificuldade em aceitar a terminologia para esta estética sonora.

É um debate interminável, sobre o qual poderíamos discorrer por horas e, mesmo assim, não chegaríamos a uma conclusão concreta. Entre os psicólogos, psiquiatras e neurologistas que norteiam a discussão, o quarteto goiano Boogarins também tenta resolver este dilema desde sua barulhenta e profunda estreia, As Plantas Que Curam: uma experiência que há tempos rende grande renome dentro e fora do Brasil. Agora, com o lançamento de seu terceiro disco, a resposta parece estar cada vez mais perto.

Lá Vem A Morte é o trabalho mais denso do quarteto até então. Por meio de uma série de recortes, sobreposições, ambientações e experimentações eletrônicas, o grupo criou um universo inconstante que explora temáticas bastante maduras e filosóficas, como a falta de sensibilidade da atualidade, verdades absolutas e, claro, a Morte. Dessa forma, a maturidade acompanha tanto as letras quanto a instrumentalização, que ora nos orienta por emoções e sensações, ora nos desorienta pela complexidade na qual a banda ousou a adentrar.

Além destas construções, a versão audiovisual publicada no YouTube potencializa estas diversas sensações, principalmente por mostrar poucas figuras e grafismos abstratos que dependem muito da nossa experiência para a interpretação. Assim, a obra revela um aspecto bastante mutualístico, pois ela depende de nossa interpretação e nós dependemos do ambiente propício para estas epifanias do sentido, o que revela ser um dos grandes méritos de Lá Vem A Morte.

Parece que, ao explorar cada tema minuciosamente, a banda meio que quebra as estruturas básicas do Pop/Rock e desconstrói sua própria sonoridade, um exercício fascinante e audacioso. As três partes da faixa que dá nome ao trabalho exemplificam isto muito bem, ao mostrar três versões do mesmo verso, alternando estados de espírito e dando, respectivamente, uma interpretação de um mesmo conceito. Foimal, por sua vez, é imprevisível em nos jogar diferentes percepções do mesmo tema na mesma música (respectivamente no verso e refrão). Polução Noturna é um paradoxo sinestésico puro, descrevendo de forma quase kafkiana uma situação desconfortável, mas a ilustrando com um arranjo suave e complexo. Já o single Elogio À Instituição do Cinismo não tem pretensão de ser “a música mais acessível” do disco, colocando batidas confusas à serviço de uma confusão mental esquisita e deliciosa de escutar.

Lá Vem A Morte é uma experiência irrecusável para quem quer compreender o que a Psicodelia é, ou deveria ser. É um trabalho que está a serviço das definições mais básicas da percepção e parece ilustrar com muita clareza a frase que o psiquiatra Osmond respondeu a Aldous Huxley: “Para sondar o inferno ou elevar-se angélico, tome uma pitada de psicodélico”. É o disco definitivo da nova psicodelia brasileira.

(Lá Vem A Morte em uma faixa: Polução Noturna)

Loading

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique