Resenhas

Lucy Rose – Something’s Changing

Cantora inglesa lança álbum cheio de beleza “on the road”

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Ano: 2017
Selo: Communion Records
# Faixas: 11
Estilos: Folk, Folk Alternativo
Duração: 38:15
Nota: 4.0
Produção: Tim Bidwell

De onde vem a inspiração para compor e gravar um disco? Da vida, das coisas, das pessoas, certo? No caso deste terceiro trabalho da cantora inglesa Lucy Rose, a fonte de eventos foi uma viagem pela América Latina, totalmente custeada por seus fãs. A ideia era viajar por países do continente – Brasil incluído – fazendo apresentações em espaços pequenos e documentando todo o processo de estadia e convívio de Lucy com seus admiradores. Não consigo pensar em recompensa mais legal para alguém do que proporcionar a seu artista favorito a chance de produzir um disco provendo-o de experiências. Com esta ideia bem legal, Lucy ficou em terras latino-americanas por dois meses, voltou para a Inglaterra, produziu, gravou e lança agora o produto de tudo isso: o singelo Something’s Changing.

Lucy tem uma carreira ainda curta, mas já colaborou com bandas de Rock tão distintas como Bombay Bicycle Club e Manic Street Preachers, mas seu negócio é o Folk. Este novíssimo álbum tem onze canções redondíssimas, nas quais os talentos da moça resplandecem. Logo na curtinha Intro, que dá início ao disco, é possível ouvir o alcance impressionante do agudo de Lucy, que plana absoluto no céu azul. Há ecos evidentes de Joni Mitchell e Kate Bush, os dois parâmetros para voz feminina em meio a estruturas Pop mais ou menos convencionais, algo que se traduz num baita elogio, uma vez que estas duas estão num plano quase inalcançável para a maioria das cantoras em atividade ao longo dos últimos 30 anos.

Something’s Changing é um disco de detalhes. Além da bela voz e do violão econômico de Lucy, ambos postados com a intenção de somar aos arranjos sem evidenciar protagonismos, há arranjos de cordas em quase todas as canções, tornando-as levemente épicas, mas optando por embarcar em climas mais próximos da felicidade e da alegria de viver do que, vejamos, da solenidade ou do sofrimento. Isso reflete bem a positividade das experiências que serviram como força motriz do trabalho, evidenciando o acerto da estadia de Lucy por estas bandas sulistas. Ao longo das faixas, podemos perceber outra influência gigante na palheta de cores que serve de guia para Lucy: Carole King, que sempre foi uma baita compositora e uma cantora de voz quente e emocionante, de certa forma complementar em relação aos registros de Joni. Ou seja, estamos diante de um combo.

Alguns picos podem ser atingidos ao longo dessas simpáticas onze canções. Love Song, por exemplo, tem um falso final e alguns segundos em ritmo de festa em volta da fogueira, propulsionados por violões e palmas, numa coisa meio hippie sincera, que cativa e enternece o ouvinte. O contraste com Soak It Up, a canção seguinte, só melhora ambas. Enquanto a primeira é fofa, a segunda é intensa, enguitarrada, com arranjo que soa como se a banda que acompanha Lucy tentasse emular algo próximo do que Pink Floyd tentou fazer há muitos anos atrás. Moirai, com pianos e silêncios, é um belo exemplo de como Lucy pode se aproximar do registro de Carole, com uma quentura na voz que ela não exibe com facilidade nas outras canções do álbum. Cordas dão profundidade ao arranjo, tornando tudo mais outonal, com cheiro de madeira e terra molhada. A belezura atinge o ápice com a linda No Good At All, com quase quatro minutos de majestade melódica, arranjo perfeito e performance vocal irrepreensível. Aqui é possível o real motivo deste disco, tudo funciona às mil maravilhas. Nem precisava, mas outra faixa belíssima fecha o álbum, a impressionante I Can’t Change At All.

Lucy Rose certamente registrou em boa amplitude o êxito de sua viagem nas faixas desse álbum. Certamente ele proverá os fãs de informações e visões exatas e tocará fundo o coração dos que participaram da viagem da cantora, constituindo enfim numa recompensa quase além do possível. Uma belezura em múltiplos sentidos.

(Something’s Changing em uma música: No Good At All)

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BOM PARA QUEM OUVE: The Staves, Joni Mitchell, Laura Marling
ARTISTA: Lucy Rose
MARCADORES: Folk, Folk Alternativo

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.