Resenhas

Mawu – Chamamento

Estreia de projeto paulistano traz exímia e coesa mistura de gêneros bastante distintos

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Ano: 2017
Selo: Risco
# Faixas: 11
Estilos: Experimental, Étnico, MPB
Duração: 27:04
Nota: 4.5
Produção: Eduardo Camargo

Dizer que a música brasileira é uma grande mistura se torna cada vez mais um pleonasmo. É possível ver que, de umas décadas para cá, artistas tem destruído barreiras bastante sólidas e proposto junções interessantes e que desafiam a crítica musical. Desde o Samba Rap de Marcelo D2, passando pelo Dub Funk de Bixiga 70, até o experimentalismo erudito de Sentidor: são muitos os exemplos. E quando achamos que não seria mais possível produzir misturas surpreendentes, o grupo MAWU nos leva um passo adiante produzindo um dos registro mais ambiciosos de 2017.

Chamamento não é, apesar de ser uma metáfora comum, uma colcha de retalhos. Diferentemente deste tecido, aqui os elementos de cada música não estão dispostos de uma forma em que é possível reconhecer os seus limites, instaurando uma dificuldade fantástica em discernir uma referência de outra. O projeto, encabeçado por Eduardo Camargo e o veterano sambista da Vai-Vai Kike Toledo, procura elaborar em cada música um sentimento de familiaridade com algumas sonoridades mas, brilhantemente, elas não se concretizam totalmente.

Ou seja, nós sabemos que aquilo veio de algum lugar conhecido, mas não bem da forma original e, dessa forma, MAWU recria sentidos e significados das partes componentes de cada faixa. Um Samba não é bem Samba; um Dub não é exatamente aquele conhecido; um Trap não cabe dentro daquilo que definimos como tal e assim por diante. Esses limites irreconhecíveis podem nos frustrar de certa forma mas, ironicamente, eles nos instigam a solucionar esta grande charada da música brasileira. Mais do que um disco, temos que encarar Chamamento com um experimento que busca entender quais são as menores unidades que se pode dividir um gênero musical para poder misturá-lo a outros.

Lamentos Do Mar é uma fantástica mistura psicodélica de melodias de Dorival Caymmi com grooves à la Clube Da Esquina. Já Dodex propõe uma junção ousada da música Eletrônica com a arte do improviso, revelando um carinho próximo de nomes como Bixiga 70 e, até mesmo, um Miles Davis mais experimental dos anos 1970. Parece de uma Melodia toma um suspiro e ousa quebrar e remendar os tempos de um Samba-groove bastante típico. Anafulinaê, por sua vez, é o que mais podemos chamar de Pop no disco, mesmo que para isso precisemos forçar um pouco nosso olhar à medida que ela junta um Funk/Dub com timbres bastante etéreos. Dodia ignora qualquer preconceito entre a Música Eletrônica e Rock, imprimindo peso inquestionável às batidas que se aproximam bastante do Trap. Por fim, o single Chamamento encerra as experiências deste disco em batidas marcantes que criam uma base para uma espécie de batuque psicodélico, com arranjos hipnóticos e envolventes.

Em um dos discos mais incrivelmente malucos do ano, MAWU nos entrega uma experiência de qualidade e rica em nos propor debates sobre as misturas da música brasileira. O futuro aponta ótimas direções para o grupo, mas o presente certamente foi marcado por um dos melhores discos brasileiros de 2017. Um álbum para se perder dentro.

(Chamamento em uma faixa: Dodex)

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BOM PARA QUEM OUVE: Dorival Caymmi, Miles Davis, Bixiga 70
ARTISTA: Mawu
MARCADORES: Étnico, Experimental, MPB, Ouça

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique