Resenhas

Avey Tare – Eucalyptus

Vocalista do grupo Animal Collective viaja sem escalas em climas acústicos

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Ano: 2017
Selo: Domino
# Faixas: 15
Estilos: Psicodelia, Experimental, Rock Alternativo
Duração: 62:54
Nota: 4.0
Produção: Avey Tare

Você pode duvidar da autenticidade de certos artistas e seus discos, mas uma boa audição deste Eucalyptus, novo álbum de Avey Tare, fará ouvidos menos atentos jurarem que estamos na Califórnia de 1967/68. Digo isso porque há um bichogrilismo sincero nas composições e arranjos do álbum, mais que isso, na própria visão que Avey imprime nas canções. É tudo muito verde, muito com cheiro de mato, com jeito de gente que largou a civilização e foi viver da subsistência em algum lugar bem longe dos problemas do cotidiano, do sistema, das pessoas. Interessante notar como esta utopia parece ser uma das poucas que restaram daqueles tempos, não?

Avey Tare é David Portner, que, por sua vez, é o vocalista e multi-homem de Animal Collective. Podemos dizer que ele é um dos responsáveis por todo o estofo hippie que a banda carrega, aquele elemento “orgânico” que está em comunhão com infinitas programações, teclados, abordagens eletrônicas que tanto caracterizam a sonoridade dos sujeitos. Eucalyptus é uma ótima chance para ver essas raízes expostas, desnudadas, livres de quase toda distração sonora que habita as canções de AC. Digo isso porque a onda por aqui é voz/violão misturada com esquisitices de gnomos, efeitos especiais discretíssimos em algum canto do espectro sonoro e um talento que surge com direção paralela à da banda principal. Explico: as pegadas que Avey deixa por todos os cantos do jardim, que é este álbum, evidenciam uma relação sincera com sonoridades que emulam um contato com a natureza, com detalhes que vão além de planejamentos estéticos com algum viés mercadológico ou similar. Resumindo: o cara é um gnomo, e isso é bom.

Eucalyptus tem um climão de improviso ao ar livre, algo totalmente intencional e que funciona. Algumas canções são realmente belas e evocam essa proximidade com florestas e natureza, caso de Melody Unfair, logo a segundo faixa do disco, que tem um arranjo de violões, vento, folhas caindo, pássaros e vozes de elementais que funciona como um passaporte para um estado que os ingleses chamam de “daydreaming”, algo que equivaleria a “sonhando acordado” na língua de Camões. Aliás, as três primeiras canções do álbum apresentam esse cartão de visita florestal ao ouvinte, tendo Season High e Ms Secret, além da já citada, Melody Unfair, como uma espécie de câmara de descompressão de quinze minutos de duração, da qual o ouvinte sai preparado para o que o restante do disco oferecerá.

O que virá em seguida é um pequeno e amistoso embate entre experimentalismo e melodia, algo que Tare consegue equilibrar e transformar as canções em objetos interessantes para ouvintes que prezam tanto as doideiras como a prevalência da música sobre elas. Sem abrir mão dos instrumentais simples e espertíssimos, dos efeitos eletrônicos que conferem amplitude e profundidade às paisagens que enfeitam, Tare vai oferecendo uma trilha de vivências bem pessoais, ainda que opte pelos padrões mais hippies dos anos 1960, acabando por dar um real significado ao uso do termo nos dias de hoje, justamente por acenar com uma proposta real de sumir de tudo e viver seu destino longe daqui. É fácil ser hippie com conexão de Internet, celular 4G e conta nas redes sociais. Canções como Jackson 5, In Pieces ou Boat Race parecem existir numa dimensão quase paralela, num buraco temporal qualquer. E, lembrando o mais importante: tudo funciona e parece totalmente autêntico. Lembram da autenticidade? Pois é.

Avey Tare te convida pra um passeio pelo bosque, no qual ele vai te convencer de umas doideiras sobre sistema, vida e o básico necessário. Mesmo que seja tudo superficial, ele tem charme e poder de convencimento muito acima do normal e periga você acreditar em tudo. Já pensou? Discão.

(Eucalyptus em uma música: Melody Unfair)

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BOM PARA QUEM OUVE: Boogarins, Yeasayer, Wavves
ARTISTA: Avey Tare

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.