Resenhas

Barbara Eugenia e Tatá Aeroplano – Vida Ventureira

Dupla grava um simpático “road album”

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Ano: 2017
Selo: Independente
# Faixas: 12
Estilos: Folk Alternativo, Lo-Fi, Rock Rural
Duração: 42:30
Nota: 4.0
Produção: Dustan Gallas, Junior Boca, Bruno Buarque

Este é um disco hippie brasileiro. Não sei se Barbara Eugênia e Tatá Aeroplano concordariam com este termo para definir o bom Vida Ventureira, oficialmente o terceiro álbum da cantora, com participação decisiva e importante do cantor e compositor. “Hippie”, você sabe, é o termo que definiu os sujeitos antissociedade e antissistema que surgiram lá em meados dos anos 1960, na esteira do amadurecimento do Rock. A origem é contestadora e democrática, o resultado, nem tanto. Resumindo demais, o que os hippies queriam era romper com a sociedade e transformá-la com mais amor e compreensão entre as pessoas. Para isso, nada de viver em cidades enormes e cheias de gente, o certo era ir pro interior e cultivar legumes, pegar muito sol e entrar em sintonia com uma outra maneira de viver. Essa visão correu o mundo e assumiu características variáveis de acordo com o local. No Brasil da ditadura civil-militar, ser hippie era subversivo, mas também era construir uma ponte para a harmonia e a simplicidade ao tentar viver em cidades pequenas de Minas, Rio e São Paulo ou em praias da Bahia, talvez mais acima no mapa. Este disco é uma retomada interessante desse clima.

A dupla faz de Vida Ventureira uma espécie de “road album”, algo que tem lugar e charme justamente por documentar viagens hipotéticas (ou não) por este mesmo circuito rural, enchendo os pulmões de ar mais fresco, cheiro de mato após a chuva e alternativas ao corre-corre cotidiano. A produção do disco ficou a cargo de integrantes decanos da banda de Tatá, a saber, Dustan Galllas, Junior Boca e Bruno Buarque, que têm a malandragem necessária para não tornar as canções meros exercícios de estilo ao tentar emular sonoridades antigas ou datadas. A coisa toda soa como se esse hipotético circuito hippie nacional fosse trilhado hoje, sem a ingenuidade de antanho, mas com a verdadeira vontade imaculada, ou seja, a coisa, tudo orbita o desejo de buscar uma maneira de vida menos intensa e pautada pelos números, com tempo para contemplações, ócios criativos e tudo que destoa totalmente dessa lógica estranha que norteia nossas vidas hoje. O esforço é muito válido.

O que vale aqui é a própria jornada e não o destino. Interessante é a valorização da estrada como um lugar em que mudanças acontecem e ensinamentos são aprendidos. Tudo isso, essa força, a ideia, o conceito, surgem naturalmente entre as canções e chegam ao ouvinte sem qualquer didatismo, pelo contrário. O que ouvimos são relatos sobre paisagens, caminhos e experiências que surgem como uma curva no caminho e, igualmente como tal, ficam para trás, transformando e preparando o futuro. Há doçura na maior parte das canções, com instrumental variando do Rock Rural mais clássico a belezuras que parecem uma cruza celestial de Rita Lee com Sá & Guarabira, caso de As Asas São Escadas Para Voar, com instrumental singelo de guitarra, baixo e violões, com percussão e bateria simples, num acabamento quase Lo-Fi, funcionando lindamente a favor da ideia do álbum. Outra canção no mesmo clima é a agridoce Hoje Eu Quero Passar Longe, que pende mais para uma balada soturna/psicodélica tardia, linda que só. A faixa-título vem numa onda mais Clube da Esquina, parecendo citar os violões de “Bola de Meia, Bola de Gude”, sucesso oitentista de Milton Nascimento.

Outras belezuras/lindezas surgem durante este percurso estradeiro proposto pela dupla: Vem Cá tem uma levada brejeira, Folk Pop e redondíssima, com bom trabalho de guitarras e vocais principais de Tatá; Pro Mundo Virar Shopping retoma a tecladeira de baixo orçamento e adentra por uma letra bicho-grilo que ataca consumismo e mazelas neoliberais cotidianas. Luz do Fim do Mundo investe novamente pelo clima Lo-Fim falando sobre fumaças no céu e ciganos do amor. A existência de três vinhetas ao longo das faixas confere unidade e pinta de roteiro de cinema à narrativa musical, funcionando bem. Algumas canções exageram no “bichogrilismo”, caso de O Verde das Matas, que deixa a desejar na ironia e destoa do contexto.

Este é um disco arejado, alegre e ótimo para se ouvir numa tarde de sol, sem nada para fazer. Ele é preguiçoso – no bom sentido – e induz o ouvinte a prestar atenção a pequenos truques instrumentais que surgem aqui e ali, compondo uma boa visão dessa música estradeira velha-nova que Bárbara e Tatá conseguiram resgatar. Funciona como um passeio pela serra, com céu azul e aquele friozinho na sombra.

(Vida Ventureira em uma música: As Asas São Escadas Para Voar)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.