Resenhas

Otto – Ottomatopeia

Pernambucano entrega álbum com excelentes canções

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Ano: 2017
Selo: Pommelo
# Faixas: 11
Estilos: Rock Alternativo, Pop Alternativo, MPB
Duração: 38:05
Nota: 4.0
Produção: Pupilo

Otto tem seu charme como cantor e compositor por ser um cara sem medo de abraçar várias influências em seu trabalho. Ele transita pelos terrenos do Rock, do Brega, da Eletrônica e, a partir de sua origem no Mangue Beat, traça um painel musical que amadureceu ao longo do tempo. Este é seu sexto álbum, que confirma essa evolução sem abrir mão dos atrativos estéticos e mostrando uma nítida melhoria nas composições e arranjos. Ottomatopeia tem na diversidade de parceiros um fator que, ao contrário de mostrar falta de coesão, joga a favor do resultado final de ótimas canções. O time traz Donatinho nos arranjos e teclados, Pupillo na produção e bateria, Zé Renato em parceria, Céu dividindo vocais em uma faixa e Roberta Miranda, igualmente participando nos vocais da única canção não autoral do disco, uma versão contemporânea de Meu Dengo, composição dela, que costumava apresentar lá pelos programas de TV das tardes de sábado, circa 1986.

O maior barato por aqui é a capacidade do álbum soar totalmente misturado, sem a prevalência de um gênero sobre outro. O que há é um Pop bem urdido e confeccionado, com bons arranjos de guitarras e canções consistentes o bastante para desfilar o tema preferido de Otto, o amor. Várias faixas falam das aventuras e desventuras em torno dele, decorrentes dele, por conta e obra exclusivamente dele. Ao contrário de posar como um protagonista dominante no controle das emoções, Otto surge como alguém com certa dose de vulnerabilidade e esperança de transformação, aproximando-o do ouvinte que teima em acreditar na justiça sentimental das coisas. Via de regra, se tudo ainda dá certo, somos todos assim, não? Esta característica humana impregna a sonoridade e reforça a coesão do álbum, fazendo com que o ouvinte se sinta fluente nos ecos de Brega e de pós-Jovem Guarda que habitam os detalhes do disco. E ainda há, sim, a proximidade ao Rock e às percussões eficientes. E o melhor: ótimas canções, bem feitas, com bons refrãos, letras inteligentes e pegada Pop estão por toda parte.

O bom primeiro single, Bala, serviu para preparar o terreno para a belezura que viria a seguir. O trabalho de guitarras de Soprei, surgem em meio a percussões e versos como “eu só sei que viver não é mole, não”, mostrando a resignação dos passantes diante das trombadas. Mais percussão latinizante surge num clima mais próximo do Rock abregalhado intencionalmente de Atrás de Você, conduzida por um cartão de visitas “eu cansei de viver, cansei de correr atrás de você”, com um clima psicodélico de guitarras sujas que dá gosto. Uma balada delicadíssima surge a seguir, a bela Carinhosa, parceria improvável com Zé Renato, cantor do grupo Boca Livre, que também divide os vocais. O arranjo tem cordas e metais, investindo totalmente na delicadeza da melodia, novamente desfiando amor a musas que são atingidas apenas no sonho “Noite passada eu sonhei como você e adorei…carinhosa”.

A melhor composição do disco vem em seguida, a luminosa Caminho do Sol, com figuras narrativas da natureza, novamente associando a incapacidade do amor em dar conta de todos os sentimentos. Há um clima tecladeiro muito bem feito, em simbiose com as guitarras e o próprio andamento da canção. A regravação de Meu Dengo também é um acerto. Com roupagem neo-Brega e as participações de Roberta Miranda e Céu (subaproveitada na gravação), a canção ressurge do passado preconceituoso dos anos 1980 e ganha brilho e reconhecimento. Há certo climão robertocarliano em É Certo o Amor Imaginar?, com as ações se equilibrando no limite extremo periclitante entre uma tarde na boléia de caminhão e uma noite na casa de baixo meretrício de uma cidade do interior. O disco fecha uma ótima trinca de canções: Teorema, cheia de guitarradas do norte brasileiro, Dúvida, próxima do Rock via Raul Seixas com turbinagem psicodélica e um pequeno manifesto de fé afro-brasileira, Orumilá, com participação das guitarras de Andreas Kisser.

Ottomatopeia consegue manter intacta a receita de diversidade musical de Otto, trazendo elementos suficientes para que ele afirme sua presença como um dos artistas brasileiros mais interessantes na atualidade. Belo disco.

(Ottomatopeia em uma música: Caminho do Sol)

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BOM PARA QUEM OUVE: Cidadão Instigado, Céu, Wado
ARTISTA: Otto

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.