Resenhas

Oruã – Sem Bênção / Sem Crença

Crise pessoal ilustra disco de estreia de novo grupo de Lê Almeida

Loading

Ano: 2017
Selo: Transfusão Noise Records
# Faixas: 13
Estilos: Rock Psicodélico, Lo-Fi, Noise
Duração: 71:21
Nota: 3.5
Produção: Lê Almeida e João Casaes

A música é um grande catalisador de processos mentais, e Lê Almeida parece entender isso como ninguém. Conhecido por suas gravações Lo-Fi em fitas cassetes e um apego familiar com a psicodelia, o carioca entende o papel da música principalmente quando é necessário desmistificar algum pensamento e, talvez por isso, suas composições tenham esse apelo caótico, como se fosse a forma de Lê tentar traduzir seus pensamentos.

Recentes acontecimentos levaram o compositor e produtor a mergulhar em uma crise pessoal, gerando um certo isolamento e concentração total em seu novo projeto, Oruã, uma reunião com amigos próximos que visava criar experimentos além da zona de conforto dos respectivos músicos. Assim, esta concomitância de eventos fez este primeiro registro do grupo, intitulado, Sem Bênção / Sem Crença, servir como a matriz onde seriam impressas as conclusões mais severas e duras deste período crítico de Lê.

O disco certamente traz elementos conhecidos da sonoridade do selo Transfusão Noise Records, como sintetizadores, gravadores de fita e, como o próprio nome sugere, muito barulho. Entretanto, aqui temos as coisas ordenadas de um jeito diferente, como se a ordem dos fatores alterasse o produto. Seja em jams infinitas como em Sobre as Ruas do Bairro de Cima, ou em composições mais estruturadas como Escola das Ruas, Lê tenta sair de sua zona de conforto, tal como as reflexões de sua crise fizeram consigo. Mas não se engane, este não é um disco apenas sobre o músico em questão, trazendo influências diversas de cada músico e sonorizando este delírio que, segundo o grupo, aborda temas como abuso de poder, intolerância, amizade e superação.

Talvez, a melhor forma de definir este trabalho seja a “sonoplastia das discussões”, como se o grupo fosse capaz de sonorizar tanto o resultado destes debates internos, como o próprio processo. Anátema, por exemplo, traduz este sentimento de reconstrução e ressignificação do sujeito, por meio da letras existencialista que ilustra a música. As mudanças referidas nos versos de Santo Amaro são representadas pela linha melódica constante de sintetizador que, durante seu percurso, vai mudando algumas características. A superação é representada pela força que Ilhas De Força vai ganhando à medida que a jam vai ficando mais agressiva, bem como a balada esquisitona Meu Levantar.

Sem Bênção / Sem Crença reafirma certas qualidades conhecidas de Lê, mas tenta reorganizar segundo novos princípios e segurança de valores atuais. Um trabalho que traz a conhecida experimentação do selo, ao mesmo tempo que um retrato de uma crise pessoal que afeta diretamente seu universo interior. Uma grande jam Lo-fi pelos conscientes e subconscientes dos respectivos músicos.

(Sem Bênção / Sem Crença em uma faixa: Anátema)

Loading

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique