Resenhas

Baco Exu do Blues – Esú

Entre sua humanidade e elementos divinos, rapper se afirma enquanto potência musical

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Ano: 2017
Selo: Independente
# Faixas: 10
Estilos: Hip Hop
Duração: 36:00
Nota: 4.0
Produção: Nansy Silvvs, Scooby & ÀTTØØXXÁ

“Não foi pedindo licença que eu cheguei aqui”: o verso que se destaca em Abre Caminho, explica muito a trajetória de Baco Exu do Blues – não é sempre que o justo e certo chegam de bandeja na vida. O lançamento da faixa Sulicídio em 2016 junto ao rapper Diomedes Chinaski foi o abre alas ao mercado brasileiro de Hip Hop que Baco almejava, mas que veio através de muito suor e veneno sendo despejado na cena musical.

A faixa era uma resposta ao grupo paulista Costa Gold e sua Quem Estava Lá? – uma afirmação de que o Rap existe além do eixo Centro-Sul e que está muito vivo no Norte e Nordeste, regiões sem o destaque merecido. Sem pedir licença, Baco apareceria finalmente e, logo em seguida, lançaria a incrível 999, convidando todos para o bate-cabeça. O fervor em torno do rapper soteropolitano parece reverberar nas letras humanas e espirituais de seu primeiro disco, Esú – sem nunca se esquecer de seus erros e mostrando-se uma pessoa como outra qualquer – o disco é uma viagem ao redor de seu ego sem nunca trazer náuseas por conta de seu narcisismo, mas sim pelo seus relatos cronicos e críticos de um jovem negro em uma capital brasileira. Da onipotência à depressão, o rapper é carne e sangue.

O conteúdo musical espalha-se pelo folclore afro-brasileiro e, desde sua introdução, coincide-se com versos raivosos e sinceros que não esquecem origens: na música nordestina de Nação Zumbi até a samples de orações aos orixás. O personagem de Baco é verossímil: um homem com origens divinas que, de tão humano, deixa a sua divindade se perder – de tanto erros e impulsos se torna o que é: alguém que não pode ser visto como herói ou vilão, mas apenas como humano. Em Esú, por exemplo, a dualidade homem x deus (apenas um deus a margem de um Deus) deixa os outros com medo – o impulso traz seu verdadeiro eu a tona e isso pode assustar os outros.

No entanto, é a partir do impulso de cronista sem medo falar o que quer dizer que torna Baco tão próximo do ouvinte que ele quer se conectar: como em sua versão de Capitães de Areia que tem um dos versos mais poderosos, chocantes e reflexivos de 2017 – “eu to brindando e assistindo um xenófobo, homofóbico apanhando de um gay nordestino/ e eu to rindo, vendo a mãe solteira espancando o PM que matou seu filho”. A realidade nua e crua de uma vivência que está além do destaque dos grandes centros econômicos que o rapper enfrentou com seu Sulícidio – um Brasil que muitas vezes é subtraído sem explicação da população.

A Pele que Habito, uma das músicas mais bonitas que você tem a chance de ouvir neste ano, é auto-explicativa: seu refrão “eu faço parte da noite” é, enquanto metáfora, a referência mais poética e certeira para entender o valor e a batalha de ser negro. En Tu Mira, coloca a pressão em que o rapper se encontra para tanto se afirmar como rapper (seu trabalho) como para ser homem – “por que erra tanto?”, “homem não chora, mas foda-se eu estou chorando” e “você me aplaudindo e eu to me matando” – esquece-se toda a divindade de Exu que ele carrega, para se mostrar um humano como tantos outros. A faixa, aliás, é de longe o grande destaque do disco e pede para ser reproduzida à exaustão. Ela é raiva, é tesão e é emoção.

À primeira instância, a sinceridade do rapper pode chocar e pode ser mal interpretada. Seu livre arbítrio em relação a temas tão complexos quanto o sexo, no entanto, só podem vistos como o verdadeiro valor de suas palavras – ele não está simplesmente brincando com as palavras, mas encontrando o jogo da sua vida a partir de seus versos. A sensual e improvável balada Te Amo Disgraça coloca-se nesse patamar de liberdade e acerto que poucos conseguem fazer: “nosso ódio pelo mundo é parecido, você nua pela casa é tão lindo/ basta a gente foder, eu vi, tava fodido”.

Ao jogar merda no ventilador, Baco chegou a superfície de um cenário musical cada vez mais popular no país, ao mesmo tempo em que trouxe todas as atenções para o que faria logo em seguida. Sob a mira, ele soube criar o personagem ao redor de sua humanidade com um disco que se prende as suas origens baianas e nordestinas em suas escolhas musicais acertadas com beats certíssimos. Assim, justificou-se enquanto rapper que merece sim a atenção do circuito musical do país. O Exu, que carrega seu nome, orixá Africano que foi confundido erroneamente com o diabo cristão na época da colonização europeia, tem o sentido do divino que permeia suas palavras, mas também como a contradição necessária para os preconceitos alheios – ao conhecê-lo e entendê-lo, o rapper se torna uma figura de sinceridade e necessidade ímpar na atualidade.

( Esú em uma música: En Tu Mira )

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BOM PARA QUEM OUVE: niLL, Don L, Racionais MCs
MARCADORES: Hip Hop, Ouça

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.