Quando um prédio é demolido, a história das milhares de pessoas que ali viveram se apaga repentinamente. Quando se trata de um conjunto habitacional, no entanto, o caso é especialmente marcante, pois as narrativas individuais somam-se ao senso de comunidade – e, frequentemente, de luta – do lugar. É por isso, talvez, que muitos vejam na arte a possibilidade de perpetuar a memória dessas habitações.
Assim foi, por exemplo, com o coletivo Assembly que ganhou o prêmio Turner por restaurar uma comunidade em Toxteth. Assim era também com Gordon Matta Clark, artista plástico que cortava prédios ao meio e inscrevia na arquitetura as marcas de ausência. Esse também é o caso de Open Mike Eagle em seu novo trabalho Brick Body Kids Still Daydream, no qual conta a história das Robert Taylor Homes em Chicago, onde morou quando criança, que foram demolidas em 1995.
A metáfora presente no título e na capa do álbum são evidentes: os moradores de uma comunidade são as suas edificações, é preciso ser duro para resistir a um lugar assim, e quando um prédio se vai, o que some são os corpos dos seus habitantes. A faixa Legendary Iron Hood conta a história de um super herói, inspirado em X-Men, que luta contra a especulação imobiliária. É possível perceber o comentário social, mas é possível sentir também a nostalgia, a história pessoal do artista que cresceu lendo histórias em quadrinhos. Brick Body Building conta a história da realocação, de ter que abandonar a casa para que esta seja demolida. 95 Radio, por sua vez, é um olhar ensolarado sobre as tarde ouvindo rádio e jogando basquete na vizinhança. E assim, no movimento constante do trabalho, o artista olha com ternura e com melancolia para o passado.
Brick Body Kids Still Daydream é um trabalho low-profile. Open Mike Eagle canta com a voz baixa, e a produção eletrônica dissolve-se lentamente no pano de fundo como uma pastilha efervescente. A produção lembra a de Oddisee, as rimas as de MF Doom e a identidade estética a de Shabazz Palaces. É uma audição discreta, mas bastante envolvente, e destaca-se da hiperatividade que hoje é a palavra de ordem no Rap, oferecendo outras possibilidades para a linguagem, que se garante na autenticidade e na inteligência.
(Brick Body Kids Still Daydream em uma música: Brick Body Building)