Resenhas

Garotas Suecas – Futuro do Pretérito

Banda paulistana lança álbum impecável de canções relevantes para o Brasil de hoje

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Ano: 2017
Selo: Freak/Tratore
# Faixas: 12
Estilos: Rock, Blues Rock, Funk Rock
Duração: 45:43
Nota: 5.0
Produção: Garotas Suecas

O novo disco de Garotas Suecas não só é o melhor trabalho lançado pela banda paulistana como, provavelmente, um dos mais inspirados discos de Rock feito no Brasil dos últimos, sei lá, dez anos. Futuro do Pretérito tem tudo o que o mais exigente ouvinte pode querer: ótimas canções, ótimas letras, surpreendente habilidade técnica dos músicos, produção impecável, sintonia com o momento atual do país e coragem para assumir posicionamento sobre questões importantíssimas, sobre as quais a classe artística brasileira tem andando omissa além da conta. No universo do agora quarteto há uma riqueza estética muito além do parâmetro da “loshermanização” inspiracional que habita o coração e a mente de bandas por demais. Aqui, a coisa fica seríssima na maioria das doze faixas.

Com a partida do vocalista Guilherme Saldanha, o grupo mantém Irina Bertolucci (teclado/Voz), Tomaz Paoliello (guitarra/Voz), Fernando Freire (baixo/Voz) e Nico Paoliello (Bateria/Voz). Todos cantam, todos pensam, todos contribuem, pleonasmo em termos do conceito “banda”, mas que parece ter ganho mais ênfase neste álbum. A receita musical dos sujeitos, personificada pelo abraço a um Rock mais setentista, cascudo e malandro, com inflexões de timbres jovemguardistas e até ciscadas no quintal do Funk, não só está intacta, como certamente melhorada e amplificada. Parecem raposas felpudas de estúdio, tirando sonoridades excelentes, cada um a seu modo, com destaque para as guitarras superlativas de Tomaz e a voz de veludo de Irina, que também faz bonito com seus teclados.

A maioria das doze canções de Futuro do Pretérito é sensacional. Há uma multiplicidade de temas, o que só ajuda o grupo a manter-se livre de rótulos rasteiros e permite o estabelecimento de um parâmetro criativo altíssimo. Não há muito espaço para assuntos adolescentes ou fúteis, tudo é bem colocado e algumas cacetadas bem aplicadas são desferidas em várias instâncias e pessoas que merecem. Por exemplo, há um cacete nos hipsters em Psicodélico (“Vocês falam no psicodélico, como se fosse necessário pra viver, tentam explicar o psicodélico, como se fosse necessário pra viver”), que tem, ora, uma levada clássica e muito bem mandada de “balada beatle”, que ironiza o próprio questionamento da canção. A faixa-título, que abre o disco, tem uma ótima trama de pianos e guitarras, enfatizando o conceito que aparece por vezes no disco: a injustiça das promessas e ideias que nunca chegaram a acontecer, o tempo dos verbos “teria”, “seria”, o tal futuro do pretérito. Há espaço para abraços fraternais a detalhes da Jovem Guarda em Fera, cheia de guitarras crocantes e muita energia e em Ananás, uma ótima cançoneta que abre mão de ser tropicalista – como seu título poderia sugerir – e abraça uma levada latina, abolerada, dolente e gaiata. Em Morrer Azul, o dificilmente reproduzido DNA das letras “jorgebenianas” é grata surpresa.

O bicho pega pra valer nos momentos mais politizados do disco. Longe da política partidária, algo complexo demais para os nossos tempos, a banda afirma posturas seríssimas no plano pessoal, o ponto de partida para toda e qualquer política. Isso acontece de forma brilhante em Não Tem Conversa, que enfileira racismo, farsa meritocrática, injustiça e machismo numa letra quase declamada pela voz de Irina, com total legitimidade e relevância. Em Todos Policiais há uma crítica assumida ao moralismo careta da sociedade atual e sua capacidade da emissão de juízos por quem tem muito a esconder. O fecho de ouro vem com a impressionante Angola, Louisiana, que é quase um minicurso sobre a trajetória dos negros saídos da África em direção ao trabalho escravo na América, seja do Norte, Central ou do Sul. Stuart Hall e Paul Gilroy aplaudiriam de pé o verso “e pra subjugar de maneira republicana, América construiu Angola, Louisiana”.

Tudo o que este crítico gostaria de ouvir num disco lançado por um artista brasileiro em 2017 está aqui. Ouçam, comprem o CD, compareçam aos shows da banda, apoiem, incentivem. Um triunfo do início ao fim.

(Futuro do Pretérito em uma música: Não Tem Conversa)

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BOM PARA QUEM OUVE: Erasmo Carlos, Autoramas, Holger

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.