Resenhas

Charlotte Gainsbourg – Rest

“Chanteuse” retorna com mais um disco arrebatador

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Ano: 2017
Selo: Atlantic
# Faixas: 11
Estilos: Pop Alternativo, Pop Eletrônico
Duração: 48:41
Nota: 4.0
Produção: SebastiAn, Guy Manoel de Homem-Christo

Charlotte Gainsbourg é uma dessas artistas multifacetadas. Ao mesmo tempo em que conduz uma carreira de atriz na qual aparece em pontas simpáticas de filmes pipoqueiros como Independence Day 2, ela também protagoniza obras polêmicas, como Ninfomaníaca, e simpáticas, como Samba. No terreno da música, tal acessibilidade se manifesta com as colaborações que escolhe para seus discos. No passado ela trocou figurinhas com seus conterrâneos Air e o fã de seu pai, Beck. Agora, para este novíssimo Rest, ela se cerca de outras figuras com trânsito desenvolto como o “Daft Punk” Guy Manoel de Homem-Christo, que assina a pilotagem de estúdio em uma faixa, e de SebastiAn, produtor e multimúsico (que já colaborou com Frank Ocean). Além desses dois colaboradores, Rest também traz um certo Paul McCartney, compondo e adicionando pianos e voz em uma canção chamada Songbird In A Cage, e o excêntrico neozelandês Connan Mockasin, integrante do esquisito Soft Hair.

A presença de tanta gente num disco suscitaria uma perspectiva de variação temática, estética ou algo assim, certo? Nem sempre. Aqui, a bordo das onze faixas de Rest, o que temos é um disco com um conceito central sobre perda. Charlotte perdeu a meia-irmã, Kate Barry, em 2013, justo quando se preparava para iniciar as composições para o álbum. Precisou interromper tudo e retomar posteriormente, totalmente afetada pela perda. Sabemos que sua obra musical se constrói muito por conta de um binômio central: a herança insinuante de seu pai, o mitológico Serge Gainsbourg e uma proximidade estética – nunca levada totalmente a cabo – com uma Eletrônica noventista bem sutil e prima-irmã do Trip Hop. Assim como o enfumaçado estilo de antanho, a música de Charlotte tem grande influência de trilhas sonoras franco-italianas dos anos 1970, algo que segue presente neste novo trabalho e que confere um certo ar de legitimidade simplista ao que se espera de uma artista francesa.

Em termos estritamente musicais, Rest não acrescenta nada ao que já temos de Charlotte. Aqui estão as baladas sussurradas, com grande carga emocional, os instrumentais luxuriantes, com simbiose entre instrumentos sintéticos e orquestras, teclados e um núcleo duro de baixo e bateria, com Gainsbourg planando em letras em inglês e francês, sempre com um misto de intensidade, mistério e tristeza. É um álbum pra ser ouvido com fones, em volume considerável, para que os pequenos detalhes surjam aqui e ali. Além disso, os fones trazem uma impressão de sussurro, intimidade, cumplicidade e talvez este viés seja o mais poderoso que perpassa a carreira de Charlotte: ela se propõe a contar histórias – que podem ser verídicas ou não – para o ouvinte, num clima de olho no olho, possível mesmo que estejamos apenas no terreno do áudio.

Como dissemos, a carga temática presente é de tristeza, raiva e luto, que não confinam as canções de Rest a um plano “menor”, pelo contrário, o disco tem um escopo sonoro imenso. É música feita com aspirações de grandes espaços, ainda que conserve sua intimidade total. Merecem muito destaque anções como I’m A Lie, a balançada Deadly Valentine, a faixa-título (assinada por Homem-Christo), que conjura mais explicitamente a saudade pela irmã e, por que não, pelo pai, morto em 1991. A citação explícita da escritora Sylvia Plath vem em Sylvia Says, com pinta de canção nu-disco, contrasta com a simplicidade Pop de Bird In A Cage, de Sir Paul, que também toca alguns instrumentos na gravação. O fecho vem na épica Les Oxalis, quase um clássico da Disco Music contrabandeado de 1978/79 para o presente e com falso final.

Charlotte Gainsbourg é uma artista com poucos e ótimos discos. Ela compensa o tempo de maturação/criação de seus álbuns com belíssimos resultados. Rest não escapa desta regra e vem pedir, quase exigir sua atenção.

(Rest em uma música: Les Oxalis).

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.