Tulipa Ruiz poderia, simplesmente, anunciar que vai fazer shows acústicos por aqui e por ali, num formato mais intimista, certo? Só que não. A cantora e compositora resolveu entrar em estúdio e fazer um disco novo (“nude”, como ela chama) para brindar esse momento. Não é de se espantar: Tulipa já tem sete anos de carreira – tempo voa – e este é seu quarto álbum. Dá pra olhar pra trás e ver um certo caminho percorrido, detectar algumas mudanças, fazer algumas considerações e autocríticas. Ou seja, é como se Tulipa dissesse para sua persona cantante: “eu, você, nós duas, já temos um passado, meu amor”. Agora é tempo de avaliar o que realmente ficou e a tendência das coisas é que privilegiemos o básico, o simples, o bom. Tu é um feixe de nove canções, novas e velhas, que foram escolhidas para marcar esse momento. Lançado em formato digital, o álbum foi gravado em Nova York e tem Gustavo Ruiz na produção, junto ao percussionista Stéphane San Juan. Os dois, mais a voz de Tulipa, quase tudo o que se ouve nas faixas do disco, uma vez que o ator franco-mexicano Adan Jodorowsky surge como convidado em Terrorista del Amor, uma espécie de afoxé hispânico, segunda canção do álbum.
Tu, o disco, é uma simpática e frágil criação. É intencionalmente vulnerável, básico e importante. Tulipa se posiciona ao lado do ouvinte, propondo um certo desnudar de adereços do cotidiano artístico, investindo numa simplicidade que soa espontânea e gentil. As canções inéditas têm formosura suficiente para ganhar lugar cativo no coração do ouvinte. O maior exemplo disso é o single Game, que tem uma certa tropicalidade carnavalesca que lembra algo que Rita Lee poderia ter gravado em algum momento de sua carreira na virada dos anos 1970/80. Outro ótimo exemplo dessa belezura de nova safra de canções é, justamente, Tu, a canção-título, que tem menos de dois minutos de duração, mas que traz uma levada dinâmica de violão e um certo linguajar jazzístico que funciona lindamente. O verso “tu é toda tentativa de coexistir” mostra o lirismo da compositora Tulipa, algo que pode ser eclipsado pela cantora, mas que tem importância decisiva em sua identidade artística.
As releituras são reveladoras. Um bom exemplo é Dois Cafés (de Tudo Tanto, 2012), que tinha Lulu Santos na gravação original, e arranjo voltado para o idioma mais Pop. Aqui, sob os violões de Gustavo e as percussões de San Juan, a melodia e o canto de Tulipa são os principais atrativos, tudo muito bonito. Desinibida, do mesmo disco, também surge reimaginada, com andamento que oscila entre uma cançoneta bossanovista-tropical ao sabor do vento. Leve e litorânea. Pedrinho, do primeiro disco, Efêmera (2010), tem sua estrutura revalorizada, enquanto Algo Maior, uma das grandes canções de Tulipa, gravada primeiramente em Dancê (2015), surge como uma dolente canção voz-violão-percussão, básica, contundente e tão pungente quanto o original, que tinha participação de Metá Metá.
Tu é um beijo no rosto do ouvinte. Uma gentileza, bem intencionada, bem feita, pertinente e que tem qualidades de sobra para escapar do epíteto “disco de releituras”. Ouça e comprove.
*(Tu em uma faixa: Tu*).