Resenhas

Glen Hansard – Between Two Shores

Cantor e compositor irlandês entrega outro álbum intenso e belo

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Ano: 2018
Selo: Anti
# Faixas: 10
Estilos: Rock Alternativo, Folk Alternativo, Folk
Duração: 42:48
Nota: 4.0
Produção: Glen Hansard e David Odlum

Cá estamos novamente diante de um trabalho de Glen Hansard. Já se vão pouco mais de dois anos desde o lançamento do álbum anterior, Didn’t He Ramble, e nosso amigo retorna com este belo Between Two Shores, um feixe de dez canções diretas e retas, sobre solidão, reconstrução pós-término de relacionamento e aquela aura ruivo-irlandesa, típica de cantor da Ilha Esmeralda, oscilando entre o Folk hortifrutigranjeiro e pequenas intensidades Soul, na base “negros da Europa”. Tudo fica mais belo, uma vez que Glen é um ótimo compositor, cheio de referências bacanas e com uma carreira exuberante, seja no seminal grupo The Frames, seja com The Swell Season. Agora, neste terceiro álbum solo, podemos dizer que ele também tem lenha pra queimar como um artista solitário.

Nem é verdade, uma vez que, neste novo disco, estão com eles dois ex-The Frames. David Odlum co-produz e toca guitarra e Dave Hingerty toca bateria. Na verdade, a presença deles nem é importante, uma vez que Hansard é a estrela de tudo por aqui. Os arranjos privilegiam sua voz, e um tom gentil nas melodias. Há cordas e metais por todos os cantos, dando uma ideia de pequenas canções R&B (no sentido Van Morrison do termo) em sépia ou câmera lenta, passadas por uma centrífuga de emoções, transformadas em pequenos fragmentos de discursos amorosos ensaiados em frente ao espelho. Tudo por aqui exala intensidade e verdade, como se Hansard saísse de uma sessão de terapia no ponto para uma pequena e precisa catarse. Interessante notar que o tom introspectivo das canções apenas torna tudo mais sentido, uma vez que não há alardes, tudo é à surdina, na hora que antecede o amanhecer. Ou quase isso.

As dez canções presentes em Between Two Shores, aquele ponto equidistante entre partida e chegada de uma viagem marítima, foram esboçadas em 2013, gravadas e arquivadas. Hansard recuperou o material, partiu com Odlum para a França, terminando e acrescentando o que era necessário. São belos exemplos de ourivesaria musical, lentas, contidas, belas. Os destaques pipocam logo com Wheels On Fire, nem tão lenta, nem tão sentida, mas impregnada de atitude e disposição em viver. Os vocais de Glen e o belíssimo arranjo, cheio de órgão, teclados e metais em brasa, confere à gravação um aspecto quase dançante, que resulta numa simpática surpresa, logo na terceira faixa.

Lucky Man parece saída de um disco gravado por Van Morrison nos anos 80, luxo nos metais, andamento cadenciado, órgão de influência jazzística pontuado a melodia, sentimentos por toda parte e letra dilacerante sobre conformar-se com o que passou: “Well it’s gonna be a lucky man, that gets to take your hand”. Outro momento intenso é a sombria One Of Us Will Lose, sobre competições jamais imaginadas ou declaradas, que surgem até por sobrevivência em meio a um relacionamento que vai a pique. No fim das contas, Glen parece afundar com o barco, como bom capitão, responsável por sua tripulação imaginária, guardando suas memórias e adentrando o que vem depois. O fecho, com Time Will Be The Healer, confirma isso e afere ao tempo o poder curador de tudo e todos.

Between Two Shores é para quem está disposto a exercitar ouvir canções com o coração, algo que parece raro ou em processo de desaparecimento. Glen Hansard te convida para contar suas mazelas, encapsuladas em forma de (bela) música. Uma belezura à beira-mar.

(Between Two Bars em uma música: Wheels On Fire)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.