Resenhas

Nils Frahm – All Melody

Novo álbum do instrumentista alemão é cheio de surpresas

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Ano: 2018
Selo: Erased Tapes
# Faixas: 12
Estilos: Eletrônica, Experimental, Instrumental
Duração: 73:55
Nota: 4.0
Produção: Nils Frahm

Os discos lançados por Nils Frahm são pequenos momentos de elevação musical. Este novíssimo trabalho, All Melody, marca a primeira produção do pianista berlinense em seu recém-acabado estúdio na parte oriental da cidade, no complexo de Funkhaus. Dei uma olhada no lugar via Internet e parece ser deslumbrante, intimidador e grandioso. Exatamente o oposto da música que Frahm se dedica a fazer, que é íntima, discreta, sutil, quase ambiente. Isso não importa porque, uma vez dentro do estúdio, ele consegue administrar espaços, espectros e fazer exatamente o que tem vontade. Outro paradoxo presente: é o primeiro disco de sua carreira que traz uma participação ostensiva de outros instrumentos. Os lançamentos anteriores, sem exceção, mostravam Frahm às voltas com teclados de todos os tipos, ou pianos sobrepostos. Aqui ele vem com adição de corais, cello e percussão, que dão novas cores à sua música.

Das doze canções de All Melody, apenas três têm duração inferior a quatro minutos. É um álbum longo, contemplativo, hipnótico. Frahm não se restringe ao espectro pianístico, dando asas ao uso de teclados, sintetizadores, órgãos e toda sorte de equipamento para criar uma atmosfera própria e melancólica. É um som de urbanidade, de inverno, de seriedade, mas que tem espaço para pequenas divagações e pensamentos sobre alternativas à realidade. De fato, em alguns momentos, a repetição de acordes, estruturas e loops fornecem espectros sonoros que vão tirando o ouvinte da objetividade do real e colocando-o, lentamente, num plano em que ele é obrigado a perceber-se longe de onde estava antes. É um exercício saudável e que deve ser objetivo de toda e qualquer música instrumental de natureza eletrônica e/ou minimalista, caso de Frahm. Suas aspirações não residem em criar sinfonias e peças complexas, mas obter um resultado eficaz através de composições que vão martelando gentilmente na cabeça do ouvinte. No fim das contas, implora-se por mais e mais marteladas.

Em alguns momentos a adição dos instrumentos faz diferença. Na faixa-título, por exemplo, com seus mais de 9 minutos, a percussão tem um papel importante, alternando-se às notas no teclado, criando uma diversidade de batidas que vêm e vão, num belo efeito. Human Range é outro momento de esplendor, no qual cello, percussão e, acima de tudo, vocais, dâo uma impressão de canção atemporal, maior que a vida e presente desde sempre no inconsciente coletivo. É como se fosse uma espécie de hino nacional de uma pessoa só ou uma transcrição melódica de uma sequência de DNA, da qual gente como Peter Gabriel e Brian Eno ficariam orgulhosos. Algumas canções confundem os ouvidos quanto ao uso da eletrônica. Este é o caso explicito de #2, que surge com 9:41 minutos de duração e tem novamente a percussão como estrela coadjuvante. Seu uso é tão dinâmico que resta dúvida sobre a capacidade humana de empreender tal movimentação.

Frahm é um jovem artista em ascensão ininterrupta. Entrega álbuns que cutucam a humanidade presente em nós e que parece prestes a sumir numa selva de barbárie mecanizada/idiotizada. Sua música tem uma interessante capacidade de nos lembrar de elementos primordiais, que ele atinge intencionalmente, nos levando a um estado de mais tranquilidade e equilíbrio. Fico me perguntando se ele tem noção absoluta do efeito que sua música causa nas pessoas. Provavelmente tem.

All Melody é um pequeno e portátil bálsamo sonoro para a poluição sonora interior pessoal. Ouça terapeuticamente, se for preciso.

(All Melody em uma música: Human Range)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.