Resenhas

No Age – Snares Like A Haircut

Dupla americana faz disco “punk-impressionista”

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Ano: 2018
Selo: Drag City
# Faixas: 12
Estilos: Rock Alternativo, Noise Rock
Duração: 39:18
Nota: 4.5
Produção: Dean Spunt e Randy Randall

Quando as pessoas olham para a década de 1990, geralmente enxergam estilos como Grunge ou Britpop. Uns poucos lembram do Hip Hop ou da ascensão de Radiohead, especialmente na fase que resultaria no álbum que encerrou daquela dezena de anos, OK Computer. O Rock Alternativo americano, de gente como Sonic Youth e Pavement, apesar de popular o bastante por lá, ainda permanece um tesouro semi-obscuro, com um grande/enorme potencial de maravilhâncias prestes a serem descobertas. O duo angeleno No Age é um dedicado explorador desse manancial de informações e belezuras musicais e segue adiante em seu curso, agora, provavelmente, com seu álbum mais coeso: Snares Like A Haircut. Dá pra dizer que a sonoridade praticada por eles é tão bela, consistente e diversificada, que é bem possível que bandas um dia promissoras, caso do próprio Foo Fighters, sentiriam vergonha se ouvissem este trabalho. Sim, é isso aí.

Digo isso porque a palavra “alternativo” talvez seja a mais banalizada desde sempre. A música com este adjetivo deveria ser tudo, menos “fácil” ou “pop”. Claro, existem as tolerâncias pessoais e as subjetividades de todos os tipos, mas a música que leva este selo de qualidade deveria permanecer relativamente pura e livre da sanha do mercadão. Certo, descontem a ingenuidade do crítico, mas sustento este postulado. O que No Age apresente aqui é grande arte, que contém, alguns refrãos adocicados, paredes de guitarras, bateria ensandecida, teclados ambientes, produção minimalista, talento para grandes ganchos melódicos, inclinação para faixas instrumentais não-chatas, descendência direta de álbuns como Daydream Nation, Crooked Rain, Crooked Rain. Rocket To Russia e Marquee Moon, tudo junto. Uma lista com estes predicados não deve ser ignorada, certo?

Snares Like A Haircut tem três pepitas sonoras de grande, enorme valor, logo nas primeiras faixas. A primeira, Cruise Control, tem guitarras ardidas e próximas no espectro sonoro e distantes, emparedando os ouvidos do freguês. A melodia, o teclado amalgamado, a própria linha melódica provocam um sorriso involuntário no mais cético ouvinte de Rock em 2018 (eu, no caso). Dá pra ser feliz, mas, em seguida vem Stuck In The Changer, novamente com os elementos mencionados, mas com outra dinâmica nos vocais e guitarras, digamos, com uma ambiência um pouco mais artística e complexa, mas igualmente provida de uma baita melodia amigável. A trinca de ouro fecha com Drippy, linda, noturna, invernal, rápida como um foguete (para a Rússia?), com vocais ramonescos atualizados e banhados com o sol da Califórnia idealizada.

Já seria lindo ter 1/4 de disco com estas maravilhas, mas a estatística é gentilmente elevada por uma maravilha de 3:55 minutos, chamada Send Me, que traz lembranças de festas, amores, novidades, sorrisos, tudo que aconteceu lá atrás mas que parece guardado nos cofres da memória. E essa música danada surge com uma chave que abre a fechadura com facilidade impressionante. Metaforicamente falando, é glorioso e simples ao mesmo tempo. Desta canção em diante, a banda abre espaço para belas canções instrumentais, algumas composições mais barulhentas que melódicas, pequenos manifestos estéticos de qualidade indubitável, justificando o belo rótulo que a imprensa gringa encontrou para definir o som da dupla: são Impressionistas Punk. É justíssimo.

Não deixe esse disco passar despercebido. Ele serve/deveria servir de exemplo para todo mundo que se arvora a tocar Rock hoje em dia. Um gênero que está se perdendo em anacronismos, desconectando-se de suas origens e abrindo mão – em nome de esmolas midiáticas – de sua criatividade. Se há algo a ser ouvido por aqui é quão criativa e relevante a dupla pode soar neste novíssimo – e ótimo – disco. Ouça ontem.

(Snares Like A Haircut em uma música: Cruise Control)

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BOM PARA QUEM OUVE: Pavement, Sonic Youth, Japandroids
ARTISTA: No Age

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.