Este é um trabalho colaborativo e peculiar: fruto da interação entre a banda americana Poliça e o combo orquestral alemão s t a r g a z e, Music For The Longe Emergency foi gravado e composto ao longo de 16 meses e traz um protesto firme contra a eleição de Donald Trump. Há uma série de discos e manifestações artísticas dizendo o mesmo, de formas varidas e multifacetadas, o que coloca este álbum numa onda comportamental própria, ainda que não o torne difícil por isso. As texturas, os climas e o próprio conceito já torna a audição uma atividade dedicada. Não é daqueles trabalhos que você colocará como fundo musical para outras atividades, o que é bom, acho. A música demanda sua concentração. Obedeça.
Se os álbuns anteriores da Poliça, calcados muito nos vocais belos de Channy Leaneagh e na produção de Ryan Olson, optavam por um caminho que misturava Eletrônica e Synthpop, aqui, com a presença dos alemães s t a r g a z e, a coisa, claro, vai por outra alameda. O perigo mais banal, o que de parecer um álbum com acompanhamento de cordas, metais e sopros, é evitado gloriosamente, fazendo com que as sete canções do disco sejam estranhos amálgamas de música sintética, popular e clássica, num emaranhado muito difícil de destrinchar. É daqueles momentos em que os sabidinhos em timbres, que conseguem separar linhas melódicas e sons de instrumentos em meio a vários tocando ao mesmo tempo, terão grande dificuldade em entender onde começar e onde termina um determinado elemento do espectro sonoro. É estranho mas não é hermético ou difícil, algo que favorece o trabalho.
O inteligente uso das possibilidades acústicas e sinfônicas providas pelo combo alemão mostra que as duas bandas, unidas no protesto estético contra Trump e o mundo que o encerra como presidente dos Estados Unidos, aproveita este clima de estranheza para dar lugar a uma performance que visa hipnotizar o ouvinte, convidando-o a entrar num mundo de outra dimensão. Um bom exemplo disso é o single do álbum, How Is This Happening, que tem mais de dez minutos de duração e sonoridades equivalentes ao impacto do Mundo Invertido, de Stranger Things, mostrando – ou querendo mostrar – que o efeito da chegada de Trump à Casa Branca significa uma enorme subversão da lógica, da coerência, do próprio senso. O resultado é cativante e prende o ouvinte numa teia de escuridão e câmera lenta.
Outro momento peculiar é a faixa-título, que também chega a quase dez minutos e soa totalmente diferente. Aqui não há estranheza e os vocais de Channy pairam sobre uma paisagem pastoril, erguida pelos instrumentos acústicos e eletrônicos, num clima de beleza e otimismo, como se quisesse confirmar o poder curativo, transformador e contestador que a própria música e o álbum possuem. Também bela e altamente Pop é a canção de abertura, Fake Like, que tem bela melodia assoviável e batidas sintéticas, que causam um resultado equivalente ao de um robô tentando tocar uma canção de Fleetwood Mac num ferro-velho.
Somando prós e contras, este disco ganhar sentido e destaque dentro do contexto das duas formações e de sua intenção. Se o próprio Donald Trumpo ouvisse estas canções, talvez jamais percebesse suas intenções e propósitos, a menos que disséssemos a ele. E isso, claro, nós jamais faríamos.
(Music For The Long Emergency em uma música: Fake Like)