Resenhas

Moby – Everything Was Beautiful And Nothing Hurt

Álbum naturalmente questionador é um dos mais belos da carreira do produtor

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Ano: 2018
Selo: Mute
# Faixas: 13
Estilos: Eletrônica, Blues, Gospel
Duração: 56:31
Nota: 5.0
Produção: Moby

Uma olhada rápida na carreira de Moby nos mostrará que o sujeito está numa fase frenética e extremamente prolífica. São nove álbuns, entre registros inéditos e ao vivo, em dez anos, numa média alta e intensa para um figurão da música. Mesmo que Moby não tenha este comportamento – é ativista, natureba, multitalentos, empresário e várias outras coisas -, o cara é um dos gigantes da Eletrônica nos nossos tempos. Desde que lançou seu melhor álbum, Play, em 1999, torço fortemente para que ele mantenha ou chegue minimamente perto do nível de excelência que atingiu com o disco. Com este belo Everything Was Beautiful And Nothing Hurt podemos dizer que a diferença é bem pequena. O que fazia de Play um acerto na mosca era a impressionante mistura de frio e cálculo, traços do imaginário Eletrônico na música, com quentura e vida, características marcantes da música popular, no caso específico, de estilos como Blues e Gospel. Neste novo trabalho, Moby não recorre a estes estilos de forma tão específica ou visível, mas inunda as canções com sentimento e timbres muito bonitos.

Moby se dedicou a fazer um álbum de canções muito bonitas, cheias de vocais femininos em papéis adjacentes, como se fossem instrumentos musicais. Sampleados, gravados ao vivo, de todos os jeitos, eles aparecem aqui e ali, tornando o disco muito feminino mas bem distante dos padrões usuais que definem esta palavra. Não há qualquer fragilidade à vista, apenas intensidade e beleza, além de um certo senso pós-apocalíptico/distópico em cada arranjo, cada timbre. É um trabalho totalmente de produtor, mas também é resultado do pensamento de um cara muito alinhado com seu tempo e que se posiciona de forma contrária ao que o senso comum imbecilizante oferece, tornando, naturalmente, Everything… um álbum naturalmente questionador, mas nunca panfletário. Uma vez unidos, conceito e estética, temos uma obra cativante.

A beleza vem de diversas formas, em detalhes ou construções acachapantes. A primeira faixa, Mere Anarchy, já dá um susto no ouvinte, diante do uso alternado de teclados sutis e samples com uma massa sonora que surge gradativamente até tomar conta da paisagem por completo. A partir dela, é impossível não ficar esperando ansiosamente pelo que vem a seguir. The Waste Of Suns, logo em seguida, mantém o nível de beleza dramática/sinfônica de bolso, mas o ouvinte quase cai da cadeira diante do assombro que é Like a Motherless Child, com vocais sublimes de Raquel Rodriguez, na verdade, uma releitura livre do standard Gospel/Blues Sometimes I Feel Like a Motherless Child. Daí em diante, os parâmetros já estão fixados em nível altíssimo e só resta esperar pelo que Moby oferece.

Temos a beleza absoluta dos timbres sacro/orquestrais de The Ceremony Of Innocence, que evoca fortemente formas e detalhes já explorados em Play, caso também da canção seguinte, The Tired And The Hurt, outra que explora essa estranha conexão entre sagrado e profano em questão de menos de quatro minutos de duração, novamente com um vocal feminino em dueto/oposição aos vocais canto-falados do músico. Welcome To The Hard Times é um mergulho fundo em raízes sônicas da música eletrônica do início dos anos 2000, que, por sua vez, era uma revisita de climas de trilhas sonoras e álbuns obscuros instrumentais, feita por gente como Air e Zero 7. The Middle Is Gone também vai por aí, com proeminência de pianos e timbres percussivos que dão a impressão de estarmos andando na beira de uma praia cinzenta e deserta. Moby recita a letra sobre perdas, mudanças, sonhos, reminiscências que só ele vê, mas que parece comum a todos nós. Outras faixas como The Sorrow Tree , especialmente, Falling Rain And Light, ampliam estes padrões de beleza e delicadeza que o álbum explora. O fecho com as batidas marciais de A Dark Cloud Is Coming quase prepara o ouvinte para o próximo disco, a ser lançado em algum ponto do futuro.

Moby lida elegantemente com esta fase prolífica, na qual se expõe nas mídias oficiais e alternativas, dando a face para um público mutante. Suas obras recentes e diversas são unidas por uma coerência que ele exibe desde o início da carreira, que também é marcada por uma incessante busca de uma forma de música eletrônica toda própria, com sua marca. Em discos como este, podemos dizer que ele atinge seu objetivo totalmente. Um dos grandes trabalhos de sua carreira. Ouça.

(Everything Was Beautiful And Nothing Hurt em uma música: Falling Rain And Light)

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BOM PARA QUEM OUVE: Air, Tricky, Thievery Corporation
ARTISTA: Moby
MARCADORES: Blues, Eletrônica, Gospel, Ouça

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.