Resenhas

David Byrne – American Utopia

Novo álbum alia temas contemporâneos com algumas boas canções

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Ano: 2018
Selo: Nonesuch
# Faixas: 10
Estilos: Pop Alternativo, Rock Alternativo
Duração: 37:17
Nota: 3.5
Produção: Brian Eno, David Byrne

David Byrne não é um artista de fácil compreensão. Suas melodias, seu estilo vocal, suas letras, sua abordagem da música popular mundial apontam para uma pessoa pouco convencional se levarmos em conta a média de artistas presentes no Pop atual. Claro, Byrne nunca foi popular na acepção da palavra, mas sua arte guarda muitas interseções com o estilo, principalmente se levarmos em conta sua herança dos tempos em que era a cabeça falante à frente de Talking Heads, um grupo que foi tudo, menos banal ou convencional. Seus discos em carreira solo são mais fracos se comparados com o material da banda, mas guardam, sem exceção, bons momentos. Este American Utopia é um feixe de dez canções sobre modernidade, presente, caos, Trump e sua capacidade de colocar os Estados Unidos em risco.

Seria injusto dizer que um cara tão erudito como Byrne não se preocupa com o dano que os americanos do norte podem fazer aos países menos favorecidos do globo, mas ele prefere focar suas letras nos temas mencionados acima. Seus arranjos seguem o modus operandi pós-Talking Heads, um Pop esclarecido, multiétnico e com muita preocupação com timbres e detalhes. Um item importante de seus discos anteriores é deixado de lado por aqui: as batidas. As canções são mais climáticas e reflexivas, algo que favorece a audição em casa, com fones de ouvido e talvez comprometa apresentações ao vivo, como as que Byrne fará por aqui no Lollapalooza e em algumas cidades. Não dá pra desconfiar da qualidade ou das intenções por trás delas, que respeitam o padrão radiofônico de outrora, não ultrapassando a marca de cinco minutos de duração. Vários músicos e produtores (ou ambos) participam de uma ou outra composição, mas é Brian Eno o mais assíduo, o que é sempre bom. Sua produção é elegante e deixa Byrne se espalhar em sua caixa de areia existencial. Ambos se entendem e jogam por telepatia.

Das dez canções presentes por aqui, algumas se incluem no melhor que Byrne já gravou desde 1988, quando deixou sua antiga banda. Em alguns casos, o material presente aqui poderia povoar alguns trabalhos do Talking Heads, especialmente True Stories, de 1986 e Naked, de 1988, discos “menores” e mais “fáceis”. American Utopía é particularmente legal em sua meteade final, a partir de It’s Dark Up Here, que inaugura uma sequência especialmente feliz. A canção, com uma pegada popesca tradicional, cheia de timbres e coisações sonoras, dá espaço para Bullet, um lamento quase desafinado sobre as dilacerações reais e figuradas que o ser humano de 2018 sofre sem notar e que o vão transformando ao longo do tempo. A coisa melhora sensivelmente com a melhor canção do álbum, uma autêntica parceria Eno/Byrne, que é Doing The Right Thing, com uma pequena descrição de atitudes “cool” que as pessoas tomam hoje como sinal de que “estão fazendo a coisa certa”: “She and I visit the tourist shrines, We are proud of our automobile, She picks out some arts and crafts, I’m deep into the local cuisine, Let me show you my latest CD, Let me take you to the restaurant, Let me drive you to my country house, I hope you appreciate fine works of art now”.

Toda essa letra tristemente precisa é emoldurada por um instrumental de guitarras dedilhadas e cordas, com o padrão Eno de qualidade em sua variante Pop. Não tem como dar errado. A caminho do fim do disco, surgem o single Everybody’s Coming To My House, outra parceria da dupla, com o arranjo mais balançado e dançante de todo o disco. O fecho vem com outra canção climática, Here, que arredonda a discussão e mostra a fase reflexiva que Byrne vive e que o motivou a sair em turnê mundial após tanto tempo de pequenos shows e projetos paralelos.

American Utopia é um bom disco, que opta por tratar de temas potencialmente complexos, não se importando com o apelo Pop que as canções podem ter. Quando, porém, há promiximidade com certas convenções musicais, Byrne se sai muito bem. Que venham os shows.

(American Utopia em uma música: Doing The Right Thing)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.