Resenhas

Craca e Dani Nega – Desmanche

Dupla convida time poderoso de mulheres para dividir a voz em músicas de empoderamento negro e feminino

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Ano: 2018
Selo: Tratore
# Faixas: 9
Estilos: Rap, Eletrônica Experimental, Hip Hop
Nota: 4.0
Produção: Independente

Destroços poéticos carregados de mensagens são arremessados aos ouvidos de quem se aventura pelo disco Desmanche, empreitada musical mais recente da dupla Craca e Dani Nega. As nove faixas do mais alto papo reto fazem pensar sobre questões incontáveis do universo negro brasileiro. Algumas soltam até fagulhas. Beats desconstruídos sem dó pelo músico e artista visual Craca embalam versos de militância negra da MC e atriz Dani Nega. A mistura inflamável vira suporte ideal para nove canções avassaladoras em tempos de conservadorismo político tão galopante quanto o aumento da resistência negra e feminina em relação ao racismo, misoginia e todo tipo de manifestação machista. A dupla ganhadora do prêmio Prêmio da Música Brasileira na categoria “Álbum Eletrônico” com Dispositivo Tralha (2016), mostra a que veio neste segundo álbum. Sua missão é causar, para muito azar do sistema.

Ritmos brasileiros estão cravejados por batidas eletrônicas de forma nem um pouco usual, pois o experimentalismo dá a tônica do duo. Rap, Hip Hop, ritmos nordestinos e sons de terreiro, muitas são as armas escolhidas por eles para gritar em relação ao universo opressor. E não há nada mais apropriado do que um exército de mulheres cheias de coragem e talento para fazer a diferença nessa luta. A seleção de participações especiais feita pelo duo tem a nobre missão de palpitar a alma dos espíritos críticos. Na capa, a arte cuidadosa de Vânia Medeiros.

De cara, Boi Navegador, que navega por mares da história em referências a navios negreiros, enaltecendo os “pretos que nascem agora”. Tudo evocado por caboclos de origem “africanordestina-indígena-periférica” através das vozes das cantoras e atrizes Martinha Soares, Naruna Costa e Naloana Lima, mais conhecidas como CLARIANAS, projeto que se denomina como investigador da voz da mulher ancestral da música popular brasileira e é ligado ao Grupo Clariô de Teatro. Na Faca, na Fúria, no Grito ou no Dente despacha machos, quebra correntes e coloca os coxas para fritar em óleo quente, num claro “vá de retro” a direita conservadora e o machismo vigente.

A primeira diretora de uma ópera com trilha de Rap feita no país, Roberta Estrela Dalva, dá o texto aos que ousam fazer o mal contando com a impunidade em Não Pise na Bola, cheia dos beats e tambores. Cria pródiga da boêmia dos palcos típicos do bairro Rio Vermelho, em Salvador, Luedji Luna divide as atenções em Peito Meu, faixa invocadora dos poderes dos orixás. Luedji, ex-integrante do coletivo Bando Cumatê, destaca-se cada vez mais pelos timbres lapidados. Também pudera, ela tem formação musical pela Escola Baiana de Canto Popular, da exímia professora Ana Paula Albuquerque, e utiliza técnicas que flertam com o Yoga e Chi Kung. O sangue derramado por Marielle Franco e outros heróis negros pulsa em Quando voltarão.

Abrindo a roda, Juçara Marçal e Sandra Ximenez emanam africanidades em Saravá Xangô. Fritação total é Craculejo, com beats enérgicos, toda “embolada no som do repente”, com uma virada final que é uma brisa tão encantadora quanto o canto das feiticeiras. O tempo fecha em Desmanche, que avisa sobre a turbulenta fase ruim dando sinais no alto comando do país, conduzida por instrumentais perturbadores.

Mas o Sol alumia os corações nostálgicos em Casa de James, a mais funkeada e de alma Soul, com participações de Graça Ciunha e Nany Soul. Nas letras, memórias de uma infância periférica nutrida por deliciosas referências musicais.

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