Resenhas

Simian Mobile Disco – Murmurations

Dupla investe em alquimia entre vozes e instrumentais dançantes

Loading

Ano: 2018
Selo: Wichita
# Faixas: 9
Estilos: Pop Alternativo, Eletrônico
Duração: 53:49
Nota: 3.5
Produção: James Shaw, James Ford

Vou confessar a vocês: Bombay Bicycle Club e Simian Mobile Disco me encantam muito mais por seus nomes que por seus trabalhos. Acho que, apesar de distintas e habitarem CEPs diferentes no mapa da música do século 21, nunca foram capazes de emocionar ou propor algo de relevante em suas obras. SMD, composto pela dupla James Shaw e James Ford (produtor do último álbum de Arctic Monkeys e participante de The Last Shadow Puppets), já conta com vários discos em sua carreira e, felizmente, resolveu dar uma alargada em suas fronteiras musicais neste novo Murmurations, chamando o ótimo Deep Throat Choir, um coletivo inglês que procura – e consegue – revisitar e ampliar a presença de corais de vozes como protagonistas em gravações de música popular. O resultado é interessante e fornece novos olhares sobre a obra da dupla.

Das nove faixas do álbum, quatro trazem a presença do coral, que confere um ar celebratório, inquietante e estranhamente religioso aos instrumentais. A onda de SMD é fornecer backgrounds dançantes e com alta velocidade, uma moldura sonora que poucos pensariam em usar para adornar vozes de um coral. De alguma forma estranha, Caught In A Wave, lembra uma mistura dos trabalhos do grupo mineiro Equale e, ao mesmo tempo, as gravações de 1990 do projeto alemão Enigma, que varreu as paradas de sucesso mundiais com uma canção chamada Sadeness Part.1, que puxou seu álbum de estreia, MCMXC a.D.. Guardando as proporções e tendo em vista os quase 30 anos que separam as duas gravações, o uso inovador das vozes quase se equivale, apesar do canto gregoriano dos alemães ter causado mais impacto na época porque a canção emplacou nas paradas de sucesso populares, algo que não deve acontecer com SMD.

As outras participações do Deep Throat Choir são igualmente inquietantes, no bom sentido: We Go é ousada, percussiva e ultrapassa os oito minutos de duração, com o uso das vozes penetrando o terreno do etéreo e do fantasmagórico. Hey Sister é mais experimental e tem uma interessante base fragmentada/percussiva por trás, o que confere à canção um ar novidadeiro e lo-fi que ressalta suas qualidades. Defender, a última partcipação do coral, tem tinturas apocalípticas e poderia servir como trilha de encerramento de algum episódio de The Handmaid’s Tale ou algo no gênero, uma vez que guarda uma essência inegavelmente feminina e sugere superação, volta por cima e reversão de alguma situação que parecia perdida. Talvez seja a melhor canção do álbum.

Quando SMD se vê sozinho, o resultado fica bem menos interessante. Boids, a faixa de abertura, apesar de conter arranjos vocais e teclados espirituais, não vai muito além da mesmice. Apesar disso, é o melhor momento da dupla sem a presença do coral. Gliders é outra faixa que busca a integração com o clima religioso e transcendental do álbum, mas o uso sintético de vozes e instrumentais não consegue substituir a organicidade das outras canções. A Perfect Swarm tem novo entrelace vocal sintetizado com andamento aerodinâmico e mais clima assustador, que vai envolvendo o ambiente e levando embora as esperanças e criando um clima de desespero controlado. As duas faixas que encerram o trabalho, V Formation e a canção-título, seguem este caminho, com resultados não tão inspirados.

Infelizmente, uma notícia ruim veio prejudicar a excursão americana que a dupla realizaria com o coral: James Shaw foi diagnosticado com amioloidose primária, uma doença que prejudica a absorção de proteínas pelo organismo, podendo causar complicações cardíacas, renais, hepáticas, entre outras. Ficamos na torcida pela melhora e pela possibilidade de levar este álbum para a estrada. Certamente as apresentações ao vivo, com Deep Throat Choir devem dar vários graus de realce nas composições. De qualquer forma, Murmurations é legal e tem bons momentos.

(Murmurations em uma música: Defender)

Loading

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.