Resenhas

Silva – Brasileiro

Em investigação de sua identidade, artista transita entre suas muitas características

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Ano: 2018
Selo: slap
# Faixas: 13
Estilos: MPB, Pop Alternativo, Pop
Duração: 41'
Nota: 4.0

Nos últimos sete anos, foram inúmeras as vezes que estive na presença de Lúcio Silva na dinâmica que se desenvolve naturalmente entre imprensa e artistas. Me refiro a mais entrevistas do que eu me lembro agora, àquele “oi” no camarim depois de um show, a bastidores de eventos e também a festas com amigos em comum. Em todos eles, o que levei comigo foi a lembrança de um sorriso tão simpático quanto tímido, de um abraço caloroso e de uma calma afetuosa com que ele fala e parece, no geral, viver.

Foi interessante ouvir Brasileiro e, pela primeira vez, reconhecê-lo espontaneamente ali nas músicas. Isso porque a personalidade forte dos beats altos e synths carregados dos primeiros trabalhos – excelentes, por sinal – perdiam às vezes a serenidade de sua presença, enquanto a simplicidade das canções de Júpiter não refletiam o potencial que ele já havia demonstrado antes como compositor e produtor. Depois disso tudo, Silva canta Marisa veio como uma brecha aproveitada por ele para desenvolver tanto seu público em número, quanto a qualidade de sua interpretação no palco (e, como vemos agora, também fora dele) sendo um registro muito bem feito para o mercado, mas não necessariamente daquele Silva a quem nos apegamos antes.

Não é arriscado afirmar que a identidade é o que o novo álbum trabalha em um primeiro nível, em uma história linear que une a primeira faixa e a última de maneira bem explícita: Lúcio é um daqueles muitos casos de alguém que saiu pelo mundo em busca de algo que encontrou ao retornar pra casa. Há uma construção afetiva do olhar sobre sua terra (como o clipe de A Cor É Rosa dá dica) e um ufanismo sentimental ora puramente estético (principalmente com a Bossa Nova), ora plenamente ingênuo (como em Brasil, Brasil) que guiam sua poesia em todos os momentos que o álbum proporciona.

Seu discurso aqui se aproxima de uma atitude de reapropriação. Silva mostra que pode fazer bem aquela MPB dita “tradicional”, construída sobre pilares como João Gilberto e Caetano Veloso, mesmo sendo jovem, mesmo sendo LGBT, mesmo com um pé no Indie do cenário Alternativo e o outro no Pop contemporâneo mais radiofônico. A sensação de liberdade norteia Brasileiro enquanto o direito de gravar a música que ele quer tocar e, como suas treze faixas provam, ele faz tão bem.

O que temos é desde um Axé discreto à la Silva (A Cor É Rosa) até acenos ao que a Bossa Nova tem de melhor (A Prova dos Nove), transitando por músicas que lembram seus primeiros trabalhos (Nada Será Mais Como Era Antes, Let Me Say) e, principalmente, no Pop de hoje em dia – seja com ecos de Justin Timberlake em Ela Voa ou em dueto com Anitta (Fica Tudo Bem, de longe a letra mais simples do disco e candidata ao merecido posto de maior hit popular do cantor até agora). Em meio a tudo isso, Caju parece dar conta de sintetizar todas as muitas qualidades que o álbum oferece e aponta para o que a obra e o músico têm de melhor no momento.

Vale dizer que o disco é aquilo que Lúcio enxerga em seu espelho hoje, visto que o futuro está sempre em aberto, e que o músico está sempre pronto para abraçar o novo. Não é difícil enxergar que há um diálogo grande com o atual, com os tempos de crise que o Brasil vive, com suas Milhões de Vozes em uma economia incerta (“Guerra é panela sem feijão”, como canta em Caju) e sua necessidade de paz – “é melhor me abraçar que dar tiro” (Nada Será Mais Como Era Antes) -, o que vai ao encontro diretamente da vibe sossegada que quem o conhece pessoalmente percebe exalar de sua pessoa.

Em uma dessas festas em que acabamos nos encontrando, Silva me prometeu – sem eu pedir – fazer um disco que desse conta de todas as suas características, um trabalho em que ele fosse tão cantor quanto produtor, tão compositor quanto intérprete. Após escutar Brasileiro algumas vezes, me lembrei dessa situação e sorri sozinho. Entendi que, nunca antes em sua discografia, ao ouvir um trabalho seu, recebíamos tanto Silva quanto agora. Cabe a nós, ouvintes, adequarmos as expectativas de sua identidade enquanto artista a esse e aos próximos lançamentos. Ele, como bem mostra, já está à vontade com isso.

(Brasileiro em uma música: Caju)

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BOM PARA QUEM OUVE: Castello Branco, Rubel, Cícero
ARTISTA: SILVA
MARCADORES: MPB, Pop, Pop Alternativo

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.