Resenhas

Father John Misty – God’s Favorite Customer

Cantor e compositor americano volta com disco estratégico

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Ano: 2018
Selo: Sub Pop
# Faixas: 10
Estilos: Pop Alternativo, Chamber Pop
Duração: 38:37
Nota: 4.0
Produção: Josh Tillman

Aqui vai uma opinião totalmente pessoal: a carreira de Father John Misty sofreu um inchaço nos últimos anos, especialmente no intervalo entre o segundo álbum, I Love You Honeybear (2015) e o ano passado, quando ele soltou Pure Comedy, o disco que iria levá-lo a um Olimpo de cantores-compositores com referências, vigor lírico, esperteza marketeira e uma liberdade auto-concedida na qual ele imporia às paradas de sucesso o seu Pop pianístico/Country setentista com naturalidade e garbo. Pois bem, isso não aconteceu. Ainda que Misty tenha talento inegável, seu movimento soou precipitado e, para fazer uma analogia futebolística, tão válida nesse tempo de Copa do Mundo, ele deixou de ser o Neymar moleque para ser um Neymar precocemente posicionado entre os Cristano Ronaldo e Messi da música atemporal. Calma, Father John. Para resolver esse problema, eis que temos a chegada de God’s Favorite Customer, cerca de um ano após o anterior.

O novo disco é uma espécie de corte de supérfluos em nome de uma, hum, eficácia e capacidade de objetividade na mensagem. Saem os floreios instrumentais, os arranjos grandiloquentes, as canções com mais de cinco minutos de duração e entram em campo a atitude mais despojada, as gravações em formato menos cansativo e temas menos apocalípticos, ainda que seja altamente louvável mencionar o amor, a desilusão e as dúvidas próprias de um sujeito de seus 37 anos, caso de Joshua Tillman, ex-baterista do grupo Fleet Foxes, a pessoa de carne e osso por trás da persona Father John Misty. Tudo isso conspira para que a audição do disco seja mais leve e próxima de uma realidade pessoal tangível, algo que parecia muito distante no trabalho anterior.

Tudo isso só funcionaria com a manutenção do maior atributo de Misty: a capacidade de compor, tocar e cantar como se fosse uma espécie de Elton John jovem, informado e atento ao que acontece em seu redor. A base de todas as faixas de God’s… é esse modelo piano man, que tanto pode trazer melodias belas. As exceções são a segunda canção, justamente intitulada Mr. Tillman, que chega a lembrar algum sucesso obscuro dos anos 1990, de bandas estranhas do calibre de um Crash Test Dummies misturado com pegada Alt-Country tardia. A outra é Date Night, com jeito de gravação demo. Ambas são esquisitas mas não comprometem, funcionando bem como parte da ideia central do trabalho, a de um bem vindo reencontro consigo mesmo.

Deixando esse detalhe de lado, há um desfile de belos achados melódicos em faixas como Just Dumb Enough To Try, Please Don’t Die, The Palace, além de simpáticos e sutis acenos a uma psicodelia clássica e beatlemaníaca, chegando a lembrar fortemente o John Lennon circa 1969/70 em Disappointing Diamonds Are The Rarest Of Them All. Na faixa-título, logo em seguida, Misty consegue chegar misturar Lennon e Elton John numa progressão simples de piano e melodia, com muita maestria. The Songwriter leva o tom melancólico às últmas consequências, abrindo caminho para o encerramento solene e pungente com We’re Only People (And There’s Not Much Anyone Can Do About That), refletindo sobre a pequenez e imperfeição humana em sua dimensão mais solitária e inevitável.

Com este disco Tillman/Misty acena com a valorização maior da composição e dos processos sentimentais que fazem a música fluir do que com sua performance e seu press kit do século 21. Tudo muito rápido, tudo muito simplificado, tudo muito volátil e fugidio. E sabemos que a vida não é assim. Misty deu o chamado “passo atrás” para dar dois à frente. Está certo e fez bem.

(God’s Favorite Costumer em uma música: Just Dumb Enough To Try)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.