Resenhas

Joan Of Arc – 1984

Álbum experimental oferece uma narrativa fotorrealista da infância nos EUA

Loading

Ano: 2018
Selo: Joyful Noise
# Faixas: 8
Estilos: Experimental, Art Rock
Duração: 35
Nota: 3.5
Produção: Nate Kinsella

Joan Of Arc, grupo dos Estados Unidos liderado por Tim Kinsella, vem há mais de vinte anos experimentado os limites expressivos da música. Com uma invejável média de um álbum lançado por ano desde o nascimento, a banda raramente entrega um trabalho digestível para o público. Nada parece vir de mão beijada, o que torna às vezes seus álbuns ásperos, herméticos e invulneráveis – caso do esquisito He’s Got the Whole This Land is Your Land in His Hands do ano passado.

Se, no entanto, o principal problema do álbum era essa “falta de vontade de se indignar com nossos próprios demônios”, 1984 inverte os termos da relação e alcança o público com uma narrativa sobre fantasmas íntimos, preenchido por músicas que são como lembranças vindas passado que se recusam a morrer.

As faixas de 1984 são excertos de memória – exagerados pela emoção, como toda memória é – contadas por uma criança, que parece ter vivido na década de 80 nas paragens interioranas do norte dos EUA. As citações aos estados de Maine e Vermont sugerem uma geografia limítrofe e boreal: são relatos de uma vida interiorana que se conhece apenas através da angústia, experimentada em uma comunidade pequena e dependente em demasia da natureza humana.

Tim Kinsella abre mão do protagonismo do trabalho e se coloca de lado, dando espaço para Melina Ausikaitis contar histórias, que ganham em sua voz um cunho pessoal. Todas as faixas são climáticas. Algumas contam apenas com o vocal e o som granulado de passos sobre a neve, como se a personagem estivesse cantarolando sua dor para si mesmo. Em outras oportunidades, a névoa esfumaçada vem da banda, com timbres de sintetizador e contrabaixo aveludado, cuja dinâmica evoca os ritmos e cadências da prosódia.

Não são raros os trabalhos estadunidenses que contam a respeito de uma vida embrutecida pela secura da vida – Kurt Vile, The War on Drugs e Andy Shauf, por exemplo, tem se especializado na contação de histórias melancólicas e entediadas, conformadas com uma vida que parece não oferecer refúgio. Joan of Arc, no entanto, aposta na narrativa fotorrealista despida de ornamentos, assim como o desenho de caneta esferográfica exibido na capa. 1984 é isso: o relato feito com poucos recursos, o de um adulto que tenta contornar o rosto de uma criança que não existe mais.

(1984 em uma música: Maine Guy)

Loading

Autor:

é músico e escreve sobre arte