Resenhas

The Carters – EVERYTHING IS LOVE

Beyoncé e Jay-Z amarram uma trilogia de discos pessoais fazendo música Pop da mais instigante

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Ano: 2018
Selo: Roc Nation
# Faixas: 9
Estilos: Pop, Hip-Hop, R&B
Duração: 38'
Nota: 4.0
Produção: Beyoncé, Boi-1da, Cool & Dre, David Andrew Sitek, Dernst "D'Mile" Emile II, Jahaan Sweet, Jay-Z, !llmind, Pharrell Williams & Vinylz

Aparentemente, Beyoncé e Jay-Z têm aproveitado bastante a atual turnê conjunta, On the Run II. Até três horas antes do lançamento de EVERYTHING IS LOVE — álbum assinado pela dupla como The Carters —, eles ainda estavam finalizando a faixa de abertura, SUMMER, uma das mais celebrativas do disco, ao mesmo tempo em que ensaiavam e se apresentavam em estádios pela Europa. “Let’s make love in the summertime”, Beyoncé canta, enquanto Jay-Z enumera momentos de prazer ao lado da esposa. Para além da pieguice romântica, a primeira faixa do disco é também a primeira prova de que o maior casal da música Pop está em pleno entrosamento, pessoal e artístico — o que, para este segmento da indústria, significa que alguns dos melhores jogadores estão em suas melhores condições.

O lançamento surpresa em meio à sequência de discos curtos da GOOD Music, incluindo os novos de Kanye West e Nas, e dias antes do próximo álbum de Drake, é certamente o reconhecimento do potencial dos Carters em disputar a atenção do público e as posições nos charts. Não é à toa: Beyoncé é uma deusa no Pop e Jay-Z é um dos maiores rappers de todos os tempos, e os dois há anos gozam de prestígio maior que a vida. Agora, depois de álbuns pessoais e complementares, Lemonade (2016) e 4:44 (2017), eles amarram uma trilogia de desentendimento celebrando a reconciliação. Isso, no caso dos Carters, já é suficiente para fazer de EVERYTHING IS LOVE um atestado de poder.

Desde o single principal, APESHIT, em que entram de cabeça na estética e na temática do Trap (com a ajuda de adlibs de Quavo e Offset), Beyoncé e Jay-Z ostentam não só jatinhos e roupas Alexander Wang, mas especialmente a posição que ocupam (dizer não para o Super Bowl, tirar um sarro do Grammy). Originalmente composta pelo grupo Migos, fosse lançada com versos do trio de Atlanta, a música não seria muito diferente de outras dezenas de hits do gênero. Na mão dos Carters, e principalmente na voz de Beyoncé, APESHIT soa como a ampliação da noção de poder do Trap, mais do que a apropriação da sonoridade da moda. No clipe, em que o casal toma com absoluta autoridade o Museu do Louvre, o mais importante do mundo, isso fica ainda mais escancarado. Eles estão ocupando espaços de luxo historicamente “brancos”, mas também de alta cultura. É uma referência a como o Hip Hop e a música negra tem sido consumida em massa pelos brancos e um reflexo do prestígio artístico que a própria dupla tem recebido nos últimos anos.

EVERYTHING IS LOVE é auto-celebratório sem precisar de muito esforço. Jay-Z, na balada HEARD ABOUT US, com sample delicado de Notorious B.I.G. (“Juicy”), anuncia: “It’s Beyoncé, oh my god”. Ele está deslumbrado com a parceira de vida e também com uma parceira musical do tamanho de Beyoncé. O sentimento é tão latente que em 713 — uma base suja de piano e batidas secas com ajuda do produtor 808-Ray, descoberto no SoundCloud, e uma referência a Still D.R.E., clássico de Dr. Dre —, o rapper pergunta, tranquilo, quem é capaz de detê-los? No caso de The Carters, se exaltar é exaltar também a cultura negra. Em BOSS, faixa de título autoexplicativo e com backing vocals e sopros que remetem ao trabalho de Chance the Rapper, Beyoncé avisa: “My great-great-grandchildren already rich/ That’s a lot of brown children on your Forbes list”.

A esta altura, a qualidade das rimas de Jay-Z é inquestionável e, quando tem algo interessante é dizer, como em 4:44 e neste novo projeto, ele soa quase sempre interessante. Em NICE, com um groove quebrado assinado por Pharrell (ele também canta na faixa) e que lembra BROCKHAMPTON, o rapper evoca um flow raivoso puxado para o Trap. Em FRIENDS, ele lista uma série de amigos e brinca com formas geométricas para definir os “chegados” (“Tight circle, no squares, I’m geometrically opposed to you”), enquanto Beyoncé canta um refrão que lembra The Weeknd. A cantora, aliás, está como de costume, altamente inspirada, tanto nos vocais melódicos, muito mais alinhados com o R&B do que com o Pop (caso em SUMMER), quanto nas rimas. O lado rapper de Beyoncé, pouco explorado na carreira dela, aparece tão em alto nível quanto qualquer outra coisa que ela faz. O verso de NICE sobre Lemonade não ter entrado no Spotify, seguido por alguns “fuck you”, é um dos mais infames do LP.

Quando cantam sobre a vida pessoal, Beyoncé e Jay-Z também soam mais próximos do público. Em uma época de superexposição, é como se The Carters escolhessem falar da privacidade, que por muito tempo ficou reservada, não com uma chuva de tuítes ou vídeos no stories do Instagram (tal qual a maioria das celebridades), mas exclusivamente pela música. Isso dá um valor ainda maior para cada revelação contida nas letras, e a avalanche de manchetes sobre elas é evidência da demanda por informação sobre a vida privada de celebridades deste escalão.

Naturalmente, EVERYTHING IS LOVE é um disco Pop, mas sem apelações — seguindo uma onda de refinamento de parte do gênero que está acontecendo pelo menos desde de My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010), de Kanye West —, e que soa assustadoramente contemporâneo, apesar de desprovido de revoluções estéticas. E justamente por ser mais humano, o álbum exala uma grandeza que vai além da material e só é possível para o casal por trás dele. Everything is Love é Beyoncé e Jay-Z no topo do jogo, fazendo música Pop da mais instigante e falando exatamente sobre aquilo que a cultura Pop mais deseja saber — as respectivas vidas.

(EVERYTHING IS LOVE em uma música: NICE)

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BOM PARA QUEM OUVE: Drake, Solange, Kanye West
MARCADORES: Hip-Hop, Ouça, Pop, R&B

Autor:

péssima postura lombar e atitude difícil. escreve absurdos e obviedades sobre música (@lucsabreda).