Resenhas

João Capdeville – João Capdeville

Álbum de estreia do compositor carioca é uma narrativa profunda sobre o sentimento humano

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Ano: 2018
Selo: Sagitta Records
# Faixas: 10
Estilos: Pós-MPB, Experimental, Música Latina
Nota: 4.0
Produção: Patrick Lapan

Quando pensamos em música melancólica, muitas vezes associamos sentimentos negativos e pessimistas à sua volta, como se, por meio de suas sonoridades e timbres soturnos, pudessem ser apenas evocadas sensações igualmente tristes. Entretanto, há casos em que a melancolia é apenas um lado da moeda, e focar apenas nessas construções esgota apenas em parte as possibilidades que uma obra traz.

O compositor carioca João Capdeville é um exemplo de artista que sabe explorar bem essas faces e, apesar de uma curta discografia, seu EP de estreia Pausa consegue nos conduzir pelos paradoxos escuros sem necessariamente se tornar uma obra triste por definição. Agora, ele põe no mundo seu primeiro álbum de estúdio, que revela ainda mais a sua maestria em compor um trabalho de sentimentos complexos.

Grandioso e complexo, o disco é um caldeirão de referências que evidenciam não só uma sonoridade diversa, mas a habilidade de João em conseguir captar o melhor de cada timbre e harmonia e colocá-los em seu lugar devido a fim de que a mensagem seja passada. Seu nome estar no título do álbum não é uma simples burocracia, afinal, aqui estão registrados as experiências, sentimentos, medos, anseios e episódios do carioca, seja em suas letras de aspeto cronista, ou na concepção das faixas instrumentais compostas com sensibilidade e força.

A participação de músicos como Gabriel Ventura (Ventre), JR Tolstoi e Felipe Pacheco (Baleia) apenas confirmar as suspeitas da sonoridade ambiciosa de João que engloba tanto as suas como experiências alheias. Até mesmo as histórias do ouvinte fazem parte da percepção desse disco e, dessa forma, aquela melancolia de primeira escutada, se revela uma composição de sentimentos diversos e de várias personagens.

Em uma percussão quase descompassada e repleta de delay, O Mundo Vai Girar pt.2 desliga as luzes do mundo e foca apenas na voz frágil de João, anunciando o começo de seu monólogo. Eu Amo Você é uma balada dedilhada que espanta pela semelhança vocal com Marcelo Camelo, mas que não deixa esta comparação roubar o protagonismo deste belo arranjo.

Deixando o samba lamentoso correr em seus primeiros segundos, Poeta de Bar logo assume um malemolente balanço repleto de solos de trombone e uma percussão envolvente. Eu Não Te Escuto é o ponto de maior epifania do disco, com um arranjo de cordas arrebatador e uma parceria com Caio Prado que enriquece a melancolia diversa do disco. Conselho encerra esta história com o que pode ser escrito como um epílogo intenso e que não necessariamente encerra a percepção do trabalho, fazendo o reverberar ad infinitum em nossa mente.

Em seu disco de estreia, João não apenas nos entrega um sólido e bem construído trabalho repleto de emoção, mas uma narrativa tão complexa quanto sua própria sonoridade. Uma narrativa que nos é confiada com tanto apreço pelo artista e que merece uma audição séria e atenta.

(João Capdeville em uma faixa: Eu Não Te Escuto)

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Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique