A esta altura do campeonato, a bordo de seu quarto disco de material original, o grupo paulistano Bixiga 70, já tem uma história para contar. E é este o mote que norteia Quebra-Cabeça, o novíssimo trabalho do combo, o primeiro a ser lançado com o apoio de uma gravadora, no caso, a Deck. Bixiga é uma daquelas bandas que inspiram uma confiança absoluta em seu ouvinte, que já sabe que receberá generosas talagadas desse caldo que sai da mistura entre Afrobeat, Jazz, Funk e ritmos similares. É uma dessas adoráveis distorções da música nesses tempos: a sobrevivência de um artista com receita estética tão peculiar e “difícil”, numa lógica homogenizadora e que não tem espaço para a diferença. Bixiga 70 é a exceção que confirma a regra.
Temos mais onze faixas dentro da lógica da música instrumental da diáspora negra, sempre pungente, cortante, dançante e muito bem feita. Foge de qualquer hype sem eira nem beira e já ostenta uma identidade inquestionável. Mesmo que Cris Scabello (Guitarra), Cuca Ferreira (Saxofone Barítono e Flauta), Daniel Nogueira (Saxofone Tenor e Flauta), Daniel Gralha (Trompete), Décio 7 (Bateria), Douglas Antunes (Trombone), Marcelo Dworecki (Baixo), Mauricio Fleury (Teclados e Guitarra) e Rômulo Nardes (percussão) sejam músicos com uma proposta bem definida, há espaço para novidades e inquestionáveis avanços dentro da ideia musical da banda. É como se tivéssemos as garantias de qualidade, familiaridade e a certeza da mudança, da evolução e de que o artista não aceita acomodação. É a melhor das sensações.
O que surge dentro dessa natural evolução dentro de sua sonoridade é, sem dúvida, a ênfase maior em teclados e percussões, conferindo já a ideia de que este é o “Afrobeat do Bixiga 70” e não uma homenagem ao estilo, ou algo assim. Se é algo da própria banda, com sua identidade e marca próprias, tem um quê de brasilidade natural, de urbanidade paulistana, de olhar distante e próximo em relação a fontes de inspiração e homenagens. Por exemplo: ao contrário dos primeiros trabalhos, há pouco em comum com as matrizes africanas dos anos 1970, que inspiraram a própria criação do grupo e já assistimos bem mais à presença da autorreferência. Faixas como 4 Cantos, que começa lenta, cinematográfica e aveludada, engata uma quinta marcha numa levada irresistível, sem convenções ou regras a seguir. É bem mais caribenha e brasileira que africana, no sentido purista do referencial geográfico. Nela os teclados de Fleury e o naipe de metais dominam.
Outro ótimo exemplo desta mudança sutil é Areia, que enfatiza novos desenhos de percussão e ostenta uma cama de teclas e metais com vida própria dentro do caminho de levadas da canção, além da lentidão dramática de Levante é outra pequena revolução. Já a faixa-título, com um loop de percussão e bateria, ostenta a marca universal do som e da atitude que se expande a cada disco do grupo.
Quebra-Cabeça é certeza de boa audição e traz integridade, evolução, alternativas e, assim como os discos anteriores, é altamente viciante. Mais um belo trabalho.
(Quebra-Cabeça em uma música: Areia)