Resenhas

Mental Abstrato – UZOMA

Novo disco do grupo traz uma viagem bem feita pelas suavidades da Afrobeat, Jazz e Hip Hop

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Ano: 2018
Selo: Independente
# Faixas: 12
Estilos: Afrobeat, Jazz, Hip Hop
Duração: 66:52
Nota: 4.5
Produção: Mental Abstrato

Freud disse uma vez que dar nome a um filho é o maior ato de poder que alguém pode exercer. Isto certamente pode ser aplicado na música quando um artista escolhe um nome para seu disco, podendo alterar todo seu sentido mudando apenas uma palavra. O grupo Mental Abstrato entendeu bem a responsabilidade desse poder e escolher a alcunha de UZOMA para significar o novo trabalho não veio à toa mesmo.

Vindo de uma tradição que procura eliminar as barreiras entre os gêneros, Mental Abstrato procurou trazer um orgânico percurso entre o Jazz, Hip Hop, Afrobeats e toda a série de tons que transita entre estes extremos. O longínquo registro Pure Essence, de 2010, já brincava com referências que hoje são muito populares entre os entusiastas do Lo-fi Hip Hop, porém de forma bem mais trabalhada e menor amadora. Agora, oito anos depois, parece que o tempo foi uma ótima ferramenta de maturação e reflexão para o grupo que ressurge com uma proposta grandiosa e ambiciosa, justificando o nome que ganhou.

Do dialeto africano Igbo, UZOMA significa “o bom caminho a ser percorrido”, e sua proposta vem justamente nos convidar pela suavidade desta passagem. O caldeirão de referências da música africana continua bem temperado e bastante eclético, representando a percussão sólida e o suíngue malemolente dos compassos. Entretanto, o grupo alça voos maiores a partir do momento que não fixa apenas uma personalidade para representar, fazendo de sua diversidade a identidade primária do disco.

É por isso que o convite de percorrer este caminho é tão convidativo: porque é imprevisível e, ao mesmo tempo, prazeroso. Ao contrário de um disco de beats que mostra apenas experimentos criativos, UZOMA é a experiência em si, uma que se cria tanto no aspecto subjetivo dos timbre como na intenção do grupo em trazer sensações suaves.

Anunciando a potência da música africana, Khamisi agrega a percussão envolvente com os metais graves e quentes, construindo uma base para que um vocal falado e misterioso seja proclamado. Mr. Cal nos joga para outro lado do espectro da música negra, com batidas malemolentes de MPC, guitarras jazzísticas e um sample que faz referência ao clássico Jazz (We’ve Got) Buggin’ Out do grupo norte-americano A Tribe Called Quest.

Flertado com o Funk, Suco de Acerola é mais agitada e quase psicodélica em suas repetições e camadas sobrepostas e solos de sopro. Quase como uma música do modo construção de The Sims, Blue Skies convida o rapper Ozay Moore para compartilhar suas rimas oldschool que farão qualquer fã de Lo Fi Hip Hop delirar. Por fim, Menino Angoleiro, apenas confirma a sensação dançante por meio dos descompassos da batida e dos solos de guitarra e marimba.

Transitando entre as categorias de “Beat Tape”, “disco instrumental” e “disco de Jazz”, a impossibilidade de nomear com precisão este trabalho se torna o principal atrativo. O grupo mostra que oito anos foram mais do que suficientes para reunir as sonoridades e maturidade necessárias para uma obra prima que tem grandes chances de estar entre os destaques nacionais do ano. Uma jornada pela suavidade.

(UZOMA em uma faixa: Mr. Cal)

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BOM PARA QUEM OUVE: Mawu, Miles Davis, Bixiga 70
MARCADORES: Afrobeat, Hip Hop, Jazz, Ouça

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique