Resenhas

Charles Bradley – Black Velvet

Disco novo está longe do clima de “álbum póstumo”

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Ano: 2018
Selo: Daptone
# Faixas: 10
Estilos: Soul
Duração: 37:36
Nota: 4.5
Produção: Tommy "TNT" Breenick

Charles Bradley faleceu em 2017, por conta de um câncer. Tinha 69 anos e havia começado a cantar profissionalmente em 2011. Lançou três discos em vida e este Black Velvet chega agora para encerrar sua carreira discográfica. Parece triste, mas não é. Longe disso. Bradley teve tempo para cravar seu nome na galeria de grandes intérpretes de Soul, feito para muito poucos. Foi fiel a um estilo em suas gravações, derivado do Soul sulista, com metais pontuados, canções entre o agitado, o contido e o lírico. Sua voz não deixava nada a dever aos mestres do passado e, assim como Sharon Jones, sua quase versão mulher, igual e tristemente falecida recentemente, se tornou o grande nome desta música Soul revivalista dos anos 2010. Será lembrado para sempre. Restava a dúvida cruel: suas gravações terão força para sobreviver ao teste do tempo?

Enquanto não podemos responder isso, ficamos com este novo feixe de canções que compõem o disco novo. É bom que digamos: são nove faixas que já tinham seu vocal finalizado por Bradley nas gravações dos trabalhos anteriores, a maioria lados-B raros e algumas covers – outra característica de Charles e seus álbuns. As da vez são para um clássico absoluto do Folk Rock, Heart Of Gold, de Neil Young, que recebe tratamento emocional e emocionante, e Stay Away, uma canção do finado Nirvana, safra Nevermind, que pertence à categoria “preferidas dos fãs”. Ambas renascem reinventadas pelo arranjo e pela interpretação que Charles lhes confere. E, sim, não esqueçamos da presença da Menahan Street Band, que está para os discos de Bradley como os Daptones estavam para Sharon Jones (e Amy Winhouse).

O mais bacana em Black Velvet é a sua alegria. As canções são otimistas, com tesão pela vida, completamente fiéis à tradição Soul a que Charles pertencia, mas com aquele toque de modernidade que seus discos possuíam. Cortesia do pessoal da própria Daptone Records, que enxergou nele esta rara virtude de brincar com o tempo histórico das canções. A felicidade está em todas as partes por aqui. Seja no riff de metais que sustenta e conduz o single Can’t Fight The Feeling, seja no balanço dançante irresistível de Luv Jones, passando pelo otimismo de I Feel A Change, uma das melhores performances vocais da carreira de Bradley, confirmando que as gravações não apontam qualquer desgaste por conta da enfermidade.

A faixa-título é um instrumental belo, que parece saído de algum filme de Quentin Tarantino, e abre passagem para as duas covers mencionadas acima virem em sequência, abrindo uma espécie de “lado-B imaginário”. Tem um instrumental moteleiro/eletrônico de baixo orçamento intencional numa admirável canção de dor de cotovelo intitulada (I Hope You Find) The Good Life, que mostra um Charles Bradley dilacerado na interpretação, mas renascendo como fênix diante do coração partido. Já Fly Away Little Girl tem os traços mais básicos de gravações da Motown, circa 1967, com belo trabalho de guitarras, baixos, pianos e vocais de apoio. Fechando a fatura, uma versão elétrica e bem robusta de Victim Of Love, faixa-título de seu disco de 2013, uma lindeza em seu próprio idioma de misturar dor com otimismo (“I woke up this morning feeling your heart living inside my soul”).

Black Velvet é um colosso inesperado. Provavelmente é o melhor trabalho que Charles Bradley deixou, uma reviravolta de morte e vida, de sentimento e saudade, que fica generosamente conosco, para amarmos e lembrarmos dele e do que alcançou em tão pouco tempo. Ouçam, por favor.

(Black Velvet em uma música: Can’t Fight The Feeling)

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BOM PARA QUEM OUVE: Otis Redding, Marvin Gaye, Bobby Womack
MARCADORES: Ouça, Soul

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.