Resenhas

Low – Double Negative

Dupla americana se reinventa em novo trabalho

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Ano: 2018
Selo: Sub Pop
# Faixas: 11
Estilos: Slowcore, Eletrônico
Duração: 48:50
Nota: 5.0
Produção: BJ Burton

Double Negative seria um disco sensacional se fosse feito por qualquer banda nova. O fato dele ser produto de uma formação que está na ativa há 25 anos só torna seu brilhantismo maior. Nem precisava ser obra de uma dupla como é Low, formada desde sempre pelo guitarrista Alan Sparhawk e pela cantora Mimi Parker, dona de uma das vozes mais lindas – e subestimadas – dos anos 1990 pra cá. As onze faixas do disco compõem um painel inquietante e estranhíssimo sobre a modernidade que se tornou presente pelas mãos de aberrações político-sociais como Trump e seus similares, alçados a posições de protagonismo no comando de nações pelo mundo afora. Por todos os cantos, o descontentamento com nosso mundo e seu estado atual é o empuxo que dá ao álbum a sua impressionante força.

Low preferiu – desejou – dar seu depoimento de uma forma muito pessoal e justificada, levando em conta seu trabalho prévio, quase sempre pautado na tradição do que se entende por Slowcore, aquele som lento, triste, climático, com guitarras, vozes, baixo e bateria. Sai tudo isso e entra uma abordagem Eletrônica poucas vezes ouvida, com um propósito de se tornar parte indissociável do próprio som da banda. Sei que tal movimento já foi – e ainda será – feito por muita gente, mas o resultado que Low obtém aqui, graças ao trabalho do produtor BJ Burton – é assombroso. É uma espécie de Ambient, mas sem o conforto intrínsseco a esta variante Eletrônica, que pressupõe a capacidade dos sons se mesclarem ao ambiente em que o ouvinte está. Aqui as canções transportam o ouvinte de seu lugar e o levam para um destino suspenso e ignorado, no qual as faixas do álbum irão envolvê-lo num clima de surrealismo e angústia. Paradoxalmente, apesar o desconforto inicial, a sonoridade irá fisgar seus ouvidos de forma irreversível e você não irá desejar sair. É como se Low quisesse nos fazer chafurdar em alguma necessidade criada para algum tipo de consumo. Ou é ainda mais profunda e sutil sua intenção.

A interação entre Sparhawk, Parker e Burton é inevitavelmente perfeita. Ainda que a tristeza e a contemplação – características inerentes à sonoridade de Low desde sempre – estejam preservadas e à disposição, elas soam amplificadas e atualizadas para novas e mais eficazes formas. Além disso, tudo por aqui soa como se você quisesse se sentir triste e a banda oferecesse mil motivos, caminhos, alternativas e formas para um verdadeiro mergulho numa piscina de água gelada sob um céu cinzento de uma tarde na qual o seu grande amor te disse adeus, ou algo no gênero. Tudo é muito bonito e extremamente envolvente. Coisa de gênio.

Se há um momento mais perfeito que os outros por aqui, este há de ser a terceira faixa, Fly, na qual o minimalismo inicial dá lugar a pianos, guitarras, baixo pulsante e cibernético, todos manifestados dentro de uma câmara de vácuo ou algo no gênero, como se só existisse você e os instrumentos num raio de vários anos-luz. Depois do fim da faixa, percebe-se que não terminou e tudo fica com a leveza/gravidade de uma batida de coração ao longe, mas bem perto. Como é injusto destacar apenas uma canção, não podemos deixar passar a sensação de aprisionamento que a faixa de abertura, Quorum, oferece ao ouvinte. Parece que você foi embalado à vácuo num compacto de vinil com arranhão e que não avança. A sensação de tempo suspenso é imensa. Ainda há os vocais alterados de Tempest, o gelo quebrado sobre a mesa de Dancing And Fire, o arremedo industrial de Rome e as alternâncias entre vocais suspensos e eletrônica percussiva do encerramento em Disarray.

Double Negative é um monstro. É um canto da sereia, pau, pedra, o fim do caminho. Não tem hits – nem é para ter – e se oferece como uma prisão portátil, que é, ao mesmo tempo, escudo protetor e motivo de medo. Ouça para entender melhor.

(Double Negative em uma música: Fly)

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BOM PARA QUEM OUVE: Galaxie 500, Luna, Bon Iver
ARTISTA: Low
MARCADORES: Eletrônica, Ouça, Slowcore

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.