Resenhas

My Bloody Valentine – mbv

Após 22 anos de espera, grupo lança disco de forma surpreendente. Será que a expectativa de algo grandioso se tornou realidade?

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Ano: 2013
Selo: Independente
# Faixas: 9
Estilos: Shoegaze, Rock Alternativo
Duração: 46:37
Nota: 4.5
Produção: Kevin Shields

E então você tem uma banda incrível, determinante para um estilo, que cria uma obra-prima e fica 22 anos sem lançar nada. My Bloody Valentine é a tal banda em questão e a novela que perdurou por mais de duas décadas acabou no último fim-de-semana de modo surpreendente, sem chamariz (até se tornar viral na internet, obviamente) mas de forma emocionante para os seus diversos fãs espalhados pelo mundo. O disco, mbv, minimalista e minúsculo, comoveu o meio e acabou tirando do ar o site do grupo que continha o download, pago, da obra.

“Qual o papel do My Bloody Valentine na música atual?” é uma pergunta relevante. Será que somente a memória de um álbum estupendo, Loveless, segundo trabalho da banda, poderia deixa-la ainda importante atualmente? O Shoegaze, estilo que o grupo ajudou a construir, tinha sentido no final da década de 80, início dos anos 90, dado o momento político e musical do mundo naquela época. Fim da Guerra Fria, um novo mundo à vista, mas ainda com lembranças conflituosas e principalmente anseios dos jovens que surgiam nessa nova realidade global. Época em que o Rock Alternativo ganhava profundidade através de algumas vertentes espalhadas pelo globo, como Grunge e Britpop, além do êxtase proporcionado pelo Acid House que demonstrava força na Inglaterra.

Shoegaze tem esse nome devido a atuação dos músicos do estilo, introspectivos, parados, em transe com a música, como se ficassem olhando fixamente ao seus sapatos, shoe-gazing. Ao escutar as primeiras notas do terceiro disco da banda, vemos que o seu espírito se manteve inalterado e que a beleza aparece nos pequenos detalhes: na distorção, que parece menos bruta, e nas vozes etéreas e hipnotizantes de Kevin Shields e Bilinda Butcher, as quais mesmas distintas formam um uníssono, um som andrógeno, ambíguo e maravilhoso.

Talvez o disco mais denso, carregado e sufocante do grupo, mbv tem na sua primeira tríade composições que abordam os vocais de Shields. She Found Now, sussurrada, tem perceptível somente a guitarra distorcida, Fender Jaguar, e uma bateria que cumpre sempre o mesmo papel ao longo da música, uma batida repetida que quase se perde diante de ruídos. Only Tomorrow aumenta os volumes do take, mas segue a mesma estrutura hipnotizante anterior. A voz de Shields continua lisérgica e rotativa, fazendo o ouvinte se sentir em um carrossel carregado de distorções e eletricidade. Diante de tanto barulho, a capacidade de se criar algo que se mostra também Pop, é a prova de que o MBV ainda tem o seu papel na música. Who Sees You é uma das melhores músicas do disco e, se escutada com headphones, mostrará o seu verdadeiro valor para todos. Uma linha de bateria criativa se mistura a um acompanhamento na guitarra e um baixo pleonástico de tão “baixo”, mas ao mesmo tempo preciso. Shields transpõe sentimento e beleza nessa viagem sonora.

Is This And Yes coloca Butcher no papel de vocalista e a transição entre gêneros opostos continua precisa e quase imperceptível. Começa com um sintetizador, até que levemente a voz feminina surge como se puxasse o ouvinte de um sono pesado para um sonho intenso. Se resume a isso, uma música sem letra, quase sem instrumentos mas apaixonante em sua densidade. If I am continua na dualidade distorção e bateria repetida, e tem em seu meio um riff/solo que faz um dueto com a voz que se mostra genial. Butcher, na gravação do primeiro disco do grupo, Isn’t Anything, disse uma vez que os integrantes haviam dormido pouco mais de duas horas ao longo de todo processo de gravação (duas semanas) e que sua voz soava desse jeito porque muitas vezes acabara de despertar, a força e que enquanto versava, tentava se lembrar do que havia sonhado. Por isso a voz sonhadora.

New You é o que podemos considerar mais próximo de um “single”. Riff viciante, sem tanta neblina, e com a voz feminina trazendo um onirismo lindo. Baixo e bateria são construídos como no início dos anos 90, um verdadeiro Drum’n’Bass que mais tarde viria a ser base para a música eletrônica. O ouvinte se encontra em transe diante de tanta psicodelia. In another way ,logo em seguida, retoma os barulhos, o volume alto e as guitarras cantadas ao máximo. Nothing Is continua na mesma toada, e a sua bateria enfurecida traz todo o peso de volta a banda em uma música instrumental que pede um bate-cabeça. Antes do fim, Wonder 2 brinca com ruídos e soa como um experimento para o MBV. Sons de helicópteros reproduzidos na guitarra se mesclam a vozes distantes em uma canção claustrofóbica e autoral. Após tanto tempo longe eles podem acabar um disco de forma tão tensa e teatral ao mesmo tempo.

De forma surpreendente, na calada da noite, My Bloody Valentine nos trouxe um dos álbuns mais esperados de todos tempos. Denso, intenso, psicodélico e difícil de se escutar em um primeiro momento marcam esta obra que traz tudo o que transformou o grupo em cult de volta. Ao mesmo tempo em que existia muita expectativa em torno do álbum, ela também era inexistente dado que quase ninguém acreditava que um dia o terceiro trabalho se tornaria realidade. Temos ao fim um disco lindo e que deve ser escutado umas três vezes, pelo menos, para ser totalmente entendido e absorvido. Após este transe, conclui-se que o MBV ainda se mostra extremamente importante para o meio musical, duas décadas depois, e diante de um mundo totalmente distinto daquele visto em Loveless de 1991.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.