Resenhas

David Bowie – The Next Day

Dinossauro do Rock volta à ativa em um disco que mostra todas as suas qualidades mas sem se mostrar nostálgico ou retrógrado.

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Ano: 2013
Selo: Iso Records, Columbia
# Faixas: 14
Estilos: Rock
Duração: 53:14
Nota: 4.5
Produção: Tony Visconti

Logo no primeiro refrão, na primeira obra de David Bowie em 10 anos,The Next Day, o cantor versa “Here I am, not quite dying. My body left to in a hollow tree”. Bowie parece sentir ao longo da faixa-título e de todo o disco que as pessoas talvez o tenham esquecido, que todo o reconhecimento passou e que agora, à beira de seus recém-completados 66 anos, precisa reconquistar o seu terreno. Neste período de reclusão, alguns fatos devem ter mudado sua percepção de mundo: um ataque do coração sofrido e um show em sua turnê em que teve, infelizmente, um pirulito arremessado, acertando o seu olho e quase deixando-o cego.

Abandonado e desrespeitado imensamente, tanto por seus fãs que o agrediram neste fatidico show, quanto pela mídia que virour as costas para a estrela, tentando diminuir o seu brilho, Bowie grita “Respeite-me, olhe a minha história mas veja o meu presente, eu não esqueci o meu ofício”. Isto se torna claro quando, faixa após faixa, períodos de sua carreira são entoados, referências perceptíveis que não procuram, entretanto, parecer simplesmente releituras. Sua voz não é mais a mesma, o que deixa tudo ainda mais sincero em letras cantadas pelo, agora, Bowie idoso. Assim como outros artistas que continuaram lançando grandes álbuns após uma certa idade, realçando a passagem do tempo de forma bela, como Bob Dylan, Johnnie Cash, Paul McCartney e os Rolling Stones, o cantor mostra a sua relevância.

Esta noção veio logo com o lançamento de seu primeiro single, Where Are You Now?, no dia de seu aniversário sem ao menos avisar a sua própria gravadora. Uma estratégia de marketing que voltou a engradecer o seu nome e revelando um Bowie mais humano, longe de suas fases camaleônicas quando era um ser do espaço como Ziggy Stardust. Balada romântica, retrata a volta a uma de suas antigas cidades, Berlim. “Had to get the train from Potsdamer Platz, You never knew that/that I could do that /Just walking the dead”. O respeito também voltou quando o cantor lançou seu segundo single, em um clipe cinematográfico, acompanhado da atriz Tilda Swinton. Um Rock dançante que demonstra a classe de Bowie e um jeito de cantar, se impondo ao público, mostrando as suas verdadeiras cores. Uma das melhores orquestrações do disco consta nesta faixa: guitarra delineada, acordes em violão acústico, todas acompanhados de um ótimo trabalho de baixo e bateria. Explosiva, ecoa o passado de Bowie, e mostra-se um exercício metalinguístico: as estrelas não as que iluminam o céu, mas sim as celebridades mundanas. “Stars are never sleeping/Dead ones and the living”.

A sua poesia histórica continua ao longo do disco e na belíssima e obscura Love is Lost, Bowie lembra-se dos momentos de abuso de drogas em que tudo parecia se perder em tanto torpor e percepção do mundo. “It’s the darkest hour, you’re twenty two/The voice of youth, the hour of dread”, um período em que o dinheiro te traz coisas novas mas não te faz esquecer quem você é: “Your maid is new, and your accent, too/But your fear is as old as the world”. Na sexy e noir Dirty Boys, o cantor parece olhar como um observador alheio as gangues juvenis, que com certeza deveriam buliná-lo, mas que de certa forma tinham o seu encanto. Quebrada com pausas estratégicas e acompanhada por um belo saxofone, a canção mostra-se inovadora em seu formato.

O lado romântico aparece em Valentine’s Day, música que poderia muito bem ter saído de um de seus discos mais famosos, The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, devido à sua construção: backing vocals e uma guitarra característica. Bowie se coloca no lugar do Santo casamenteiro, o Papai Noel dos casais: “Valentine told me how he feels /If all the world were under his heels /Or stumbling through the mall”.

Bowie sempre foi conhecido pelo seu jeito de contar histórias, incorporando personalidades como se as mesmas fossem de sua posse, atuando como um verdadeiro ator. Em I’d Rather be High, o cantor se coloca no papel de um soldado, lutando contra outros povos e sua própria corporação. O escapismo é a solução: “I’d rather be high, I’d rather be flying I’d rather be dead or out of my head”. As qualidades do disco não passam só pela qualidade lírica mas também pela banda que o acompanha. O que é a mistura entre guitarra e saxofone na letárgica Boss of Me? Ou a batida dançante que faria qualquer indierocker sentir inveja em Dancing Out In Space?

O momento mais emocionante do disco vêm com um composição carregada de cordas, coros e um piano em You Fell So Lonely You Could Die, música que faria Morrissey sorrir com um título tão dramático. A grande balada do disco lembra por que sua voz, apesar de menos poderosa, ainda transpira emoção. O refrão: “You’ve got the blues my friend/And people don’t like you/But you will leave without a sound or a God, an End”. A canção ainda termina como uma reprise da bateria vista em Five Years, de Ziggy Stardust.

Com o passar do tempo, talvez todos nós passemos por isso, aparece a falta de respeito dos mais novos, o desconhecimento de seu legado. Poucos tem a chance de poder demonstrar novamente que a idade é só um mero fato, um número como tantos outros. Bowie esclarece que não deve e não pode ser jamais esquecido, mas sem se mostrar nostálgico. Como o mesmo disse que nunca mais daria uma nova entrevista, ficaremos na expectativa de saber o que ele realmente quis passar ao mundo com este disco. No entanto, algumas dicas são mais claras, e talvez a maior de todas apareça na música mais inovadora de todo o disco: If You Can’t See Me. Meio eletrônica, quebrada, é uma de suas faixas mais criativas de sua carreira e tem ainda o cantor dizendo “If you Can See Me, I Can See You”. Ou em outras palavras, “estou aqui ainda fazendo músicas excelentes”.

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BOM PARA QUEM OUVE: Talking Heads, David Byrne, Morrissey
ARTISTA: David Bowie
MARCADORES: Ouça, Rock

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.