Resenhas

Savages – Silence Yourself

Ótima estreia do quarteto inglês traz ao presente o Post-Punk e o potencializa sem a pretensão de soar exatamente novo

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Ano: 2013
Selo: Matador Records
# Faixas: 11
Estilos: Post-Punk, Post-Punk Revival
Duração: 38:45
Nota: 4.5
Produção: Rodaidh McDonald e Johnny Hostile
SoundCloud: /tracks/88801025
Itunes: http://clk.tradedoubler.com/click?p=214843&a=2184158&url=https%3A%2F%2Fitunes.apple.com%2Fbr%2Falbum%2Fsilence-yourself%2Fi

Apesar de não trabalhar com sonoridades novas, de não trazer nenhum elemento inédito, e de não apresentar nada que já não tenha sido apresentado nas últimas décadas, Silence Yourself é um disco que só poderia ser produzido nos dias de hoje. Ele é o resultado de anos e anos de maturação do gênero que as garotas do Savages se utilizam: o Post-Punk – que chega aqui potencializado e revitalizado, principalmente por questões de produção (que seriam impossíveis de serem alcançadas nos anos 80). Mesmo o estilo sendo o combustível sonoro da banda, são, ambas, atitude e autenticidade de Jehnny Beth e suas comparsas, assim como todo o invólucro à sonoridade revival, que chamam a atenção, muito mais do que o resgate em si ou do fato de essa ser uma banda só de mulheres.

Nesta obra, as garotas discutem temas universais, que, são sim, potencializados pela robusteza, abrasividade e crueza vindas do gênero, mas que não necessariamente são os elementos que mais se destacam. Aqui, a energia e a sinceridade que as garotas colocam sua música são os ingredientes imprescindíveis para que o resultado final desta obra seja de alguma forma crível. E elas fazem isso com a maior presteza e urgência possível, obtendo grande êxito em seu objetivo.

Quanto à originalidade, elas não se propõem a tal e deixam muito claro isso. Velvet Undergound, Siouxsie, Joy Division e outras tantas bandas importantes para o desenvolvimento do Post-Punk em si poderiam ser citadas como influências – o que de fato são -, mas unicidade e energia com que as moças tratam o gênero trazem-no ao presente ainda mais vigoroso do que era em sua gênese. Cabem comparações, mas elas são quase desnecessárias aqui.

Ao contrário do que se esperaria de uma banda só de mulheres, o tom feminista não toma conta da lírica. Nela, o objeto é tirar o ouvinte da letargia mundana do nosso dia a dia, em que queremos saber e participar de tudo, ao invés de nos dedicarmos a uma coisa só – desconstruir o mundo e silenciá-lo é saída necessária para se desvencilhar deste turbilhão de “constantes distrações”, segundo os versos que estampam a capa e apresentam a ideologia da banda. “Silence Yourself” é mote da banda, algo que persegue e alcança ao longo dos quase 40 minutos de obra. É claro que o tal silêncio virá ao termino do álbum, pois suas faixas são a desconstrução do seu mundo.

Shut Up, faixa que recebe a tarefa de abrir o disco, é simplesmente emblemática e assume seu papel com grande maestria. Nela tudo soa furioso, arrebatador, libertário. As linhas de baixo de Ayse Hassan são poderosas e volumosas, enquanto as guitarras de Gemma Thompson assumem uma posição melodiosa e agressiva e bateria de Fay Milton cria o ritmo acelerado necessário para dar vazão às composições de Jehnny Beth e sua voz incrivelmente visceral e performática. Esse é a melhor faixa do álbum – não que as próximas deixem a desejar, mas esta é o ponto mais alto de toda obra – e prova essa urgência da banda ao entregá-la logo de cara.

I Am Here despeja experimentações do Noise com guitarras distorcidas e uivantes que crescem ao comando do vocal lancinante Jehnny e se dissipam novamente em meio a neblina sonora. Nesta, é a “cozinha” que cria o grande senso de pungência e agressividade. City’s Full é uma faixa cheia de luxúria e desejo. “I love the stretchmarks on your thighs/ I love the wrinkles around your eyes” é uma das frases ditas enquanto a música desacelera e deixa clara a lírica libidinosa da moças. Todo esse senso carnal e confuso é sentido na música que explora essas sensações usando muito volume, distorção e ferocidade.

Na sequência, Strife e Waiting For A Sign desaceleram o ritmo imposto até então e se apoiam em melodias mais calmas. A primeira, mesmo se acalmando, não deixa o volume e distorção das guitarras caírem, chegando ao ponto de nos perdermos dentro da melodia por conta do barulho extremamente alto delas. A segunda é uma envolvente balada que nos hipnotiza com a expressiva voz de Jehnny e as linhas de guitarras etéreas de Gemma – há também algumas sessões em que o Noise ajuda a criar essa sensação letárgica da faixa. Marcando a metade do álbum, Dead Nature, faixa toda instrumental, cria um respiro ao Post-Punk e brinca com Ambient e Drone em uma faixa aterradora.

O outro single deste álbum, She Will, volta o disco aos seus eixos – mais uma vez apresentando a tríade de baixo pulsante, bateria frenética e guitarra agressiva. Nela há uma dicotomia interessante na persona que Beth assume – apresentando também grande erotismo e ambiguidade em sua letra. “She will enter the room / She will enter the bed / She will talk like a friend / She will kiss like a man / She will fuck other men / She will come back again” apresenta parte disso e também o grande senso de repetição, seja na lírica, seja nas linhas instrumentais.

No Face é uma das faixas mais brutais de todo álbum. Desde seu início barulhento e dissonante, que pode lembrar os melhores momentos de bandas como Iceage e METZ, até os versos raivosos professados pela cantora. Ela é uma extensão das pretensões da banda (“Your head is spinning fast at the end of your spine, until you have no face at all”) declaradas na capa do álbum. Estabelecendo uma dura crítica a quem não cria sua própria personalidade e simplesmente copia desesperadamente a de outras pessoas. Hit Me é mais uma das faixas que exploram a sexualidade, porém desta vez a fazendo de maneira “suja”, libertadora e bem Punk. Não à toa uma atriz pornô, Belladonna, foi a inspiração para esta curta e potente faixa.

Husbands é um antigo single, apresentado nos EPs anteriores ao lançamento deste disco. Regravado e reorientado ele mostra o papel da produção de Rodaidh McDonald e Johnny Hostile nesta nova obra, que conseguem deixar a sonoridade do quarteto ainda mais urgente. Fechando de forma inusitada, Marshal Dear é uma balada levada ao piano e mostrando um vocal parcimonioso e bem orientado de Jehnny. Sua melodia labiríntica brinca com Jazz e até adiciona um solo de saxofone ao final desta ótima faixa.

Para uma banda iniciante, o quarteto inglês consegue categoricamente imprimir sua ideologia, musicalidade e mostrar a que veio com seu primeiro disco. Silence Yourself é um disco poderoso que pode chamar a atenção por diversas razões (não banalidades, como o resgate ao Post-Punk ou ser uma banda só de mulheres), mas o faz principalmente pela ousadia e propósito aplicados à sua música. Criando uma obra que, não à toa, tem se tornado uma unanimidade independente do veiculo que o põe a prova. Podemos estar vendo um dos grandes bastiões da nova década – uma daquelas bandas que marcam e transcendem sua época.

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BOM PARA QUEM OUVE: METZ, Joy Division, Interpol
ARTISTA: Savages

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts