Resenhas

Gesaffelstein – Aleph

Produtor parisiense traz o Techno Industrial de forma mastigada e hibridizada com estilos que variam entre o Hip Hop e o Clash

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Ano: 2013
Selo: Bromance
# Faixas: 14
Estilos: Techno Industrial, Electro, Hip Hop
Duração: 58"
Nota: 4.0
Produção: Mike Levy
SoundCloud: https://soundcloud.com/gesaffelstein/hate-or-glory

Assim como em Yeezus, Aleph já começa incomodando. Em stereo, os sintetizadores revezam os lados do fone (ou da caixa que se ouve) e causam quase que uma desorientação. Mas tudo é proposital e, claro, quando disse o verbo “incomodar”, eu estive muito longe da conotação negativa. Gesaffelstein, assim como Kanye West, não é do tipo que vem para agradar (talvez por isso sua última parceria tenha dado tão certo). Quando a cena se estipulava em cima do House e do Dub em 85, o produtor preferiu seguir caminho contrário e, beber muito da fonte do Kraftwerk. Resultado? Pouco mais de 20 anos depois, começava sua carreira no Techno. Suas produções sempre foram marcadas, sujas, carregadas, provenientes de muita influência New Wave. Com Aleph, essas características inflaram e vemos um lado soturno de Mike Levy.

São quatorze faixas que perambulam muito entre o peso e o excesso de informação e o conceito da calmaria sombria, o som de objetos queimando lentamente, teclas de piano macias misturadas com vocais sussurrados. Pursuit, faixa que ganhou apoio publicitário de uma grande marca de bebida alcoólica, e Nameless são boas para exemplificar todo o conceito do álbum, ainda por cima por abrirem as portas de Aleph. Iniciando pelas produções-tradição, várias outras músicas poderiam vestir a camiseta de produções intensas e fortes, sejam cinematográficas ou também publicitárias. Obsession se destaca (não só nesse sentido, mas também como a melhor de toda obra) com sua base de sintetizadores rasgados com vozes de rádio ao fundo. Uma camada de synths agudos tiram o preto da faixa e a trazem para a realidade de uma pista. O mesmo de Hate or Glory. O produtor acerta não só em técnica, mas em sua habilidade em trazer o caos para uma faixa, sintetizadores com sons de rua, britadeiras, percussões pesadas e um clipe à altura. Hate or Glory mais parece uma compilação de músicas distintas grudadas sob mesmo roteiro. Aqui a violência e o crime são palpáveis.

Aleph traz o industrial mais mastigado ao ponto de trazer novos adeptos ao gênero. O álbum inicia com monólogos típicos do Electroclash com Out of Line e depois em Destination, com bases calmas e loopeadas. Eis que começa uma viagem bem mais longa do que leigos consigam perceber. Quem não está atento, se deixa levar por Gesaffelstein sem perceber que o francês percorre outros territórios para chegar no Techno. Hellifornia e Duel fincam os pés no Hip Hop. A primeira poderia ser um Moombahton/Trap se tivesse o bpm adequado, mostra um pouco do calor da Califórnia com sob uma perspectiva mais Miami, com Hip Hop em sua estrutura. Vale a pena chegar até a segunda metade da faixa para acreditar que é possível aproximar a percussão com um Drum’n’Bass. Já a segunda é como uma Obsession com “tempo” mais alto. Ainda com buzinas do Dutch, o produtor dinamiza a faixa com intuição de trazer uma faixa enérgica para pista, trazendo o Techno hibridizando com elementos de pista pra festival de admirar qualquer Boys Noize. O mesmo acontece com Trans. Texturas se formam no decorrer da faixa que, com certeza, está entre as melhores do trabalho. Camadas abrilhantam o techno sob vocais cortados que enaltecem a música. Mais uma vez os hiatos estão presentes como uma intenção de vácuo, uma falta de ar antes do retorno à consciência. Infelizmente, a música se perde em seu último minuto, tentando um experimental que, mais uma vez, causa desconforto.

A música que dá nome ao álbum mostra todo o conceito por trás de Gesaffelstein, seu perfeccionismo quanto à arte e sua proposta de tirar a música da superfície e trazê-la para o âmago. Aleph é música de se sentir. Inicia de forma pouco comum no gênero, com notas de guitarra dando progressão a sintetizadores e vocais infantis que aclamam. Mas nem toda linha “soft” do produtor culmina em sinestesia. Wall of Memories beira o monótono da mesma forma que o álbum fecha inerte com Perfection.

Gesaffelstein tem nome consolidado e Aleph era um dos álbuns mais esperados do ano. Agradando boa parte dos críticos e fãs com o novo trabalho, é quase que inevitável arrancar elogios para Mike. O francês trata a música como arte e não a faz para gerar sorrisos. Sua linha é escura, soturna e afunda. As 14 músicas funcionam como areia movediça, arrastam para o interior sem chance de volta. Chega a ser surpreendente como soa fácil transformar um gênero tão complicado e nada adaptativo em notas tão viciantes. Levy se perde em alguns pontos em lugares que não lhe é comum como a calmaria ou no exagero desconexo. Piece of Future é quase que experimental, traz elementos soltos, desconexos que lembram o futurismo, mas que se perdem no meio do caminho e geram o desconforto. No final das contas, Aleph vem para aumentar a credibilidade da Bromance com mérito, manter a credibilidade do personagem e ser uma prova que o industrial tem um caminho vasto ainda pra ser explorado.

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BOM PARA QUEM OUVE: Djedjotronic, ZZT, Brodinski
ARTISTA: Gesaffelstein

Autor:

Publicitário que não sabe o que consome mais: música, jornalismo ou Burger King