Resenhas

Africa Express Presents : Maison des Jeunes

Projeto visa apresentar músicos da nova geração de Mali e é encabeçado por Damon Albarn e Brian Eno

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Ano: 2013
Selo: Transgressive
# Faixas: 11
Estilos: Afrobeat, World Music
Duração: 47:00
Nota: 4.0
Produção: Damon Albarn, Brian Eno

A relação de Damon Albarn com a chamada World Music é longa. Desde um disco com músicos do Mali, Mali Music, passando pelas gravações e influências de música árabe no último disco do Blur, Think Tank, ou do derradeiro trabalho do Gorillaz, Plastic Beach, o músico desenvolveu uma forte relação com a música que expressa culturas nacionais. Sua pluralidade o fez envolver-se com diversos projetos como, The Good, the Bad and the the Queen, com seu Rock Alternativo com os pés no Reggae, ou o Afrobeat moderno do super grupo Rocket Juice and the Moon. No entanto, dessa vez, o seu envolvimento tem motivos maiores, o que faz do Africa Express um projeto ainda mais interessante.

Mali é um país do oeste da Africa conhecido como um dos grandes centros musicais daquele continente. Sua tradição dentro da música se deve a artistas famosos que saíram de lá como Tounami Diabaté, Ali Farka Touré e Habib Koité entre outros. Se não conhecemos tão bem estes músicos, isso se deve a um natural “fechamento” da cultura ocidental em torno de seus gêneros e nomes – o que, de tempos em tempos, acaba ocasionando incríveis descobertas, como Fela Kuti na década de 1980 nos EUA após intensos concertos que apresentaram o seu trabalho a um público que o desconhecia. Entretanto, este país ocidental é conhecido por ter formado os mais diversos e talentosos músicos e por ter esta arte como uma raiz importante, fincada em sua cultura.

Logo quando no ano passado os conflitos internos em Mali levaram ao domínio de militantes islâmicos, os quais através de pretextos religiosos começaram a destruir instrumentos e proibir a música secular por lá, algo estava errado. Foi somente neste ano que tropas francesas conseguiram restituir o controle de Mali, e, consequentemente, permitirem a volta da música. O expresso africano liderado por Damon Alburn, mas com ilustríssimas participações de Brian Eno, o guitarrista do Yeah Yeah Yeahs Zack Zinner e o rapper Ghostpoet, além de Olugbenga Adelekan, do Metronomy, veio com intuito de revitalizar a música no país e ao mesmo tempo promover o lançamento de diversos novos artistas da região, abrindo uma chance de internacionalização para eles. Gravado na capital Bamako, em uma semana, na famosa casa frequentada por jovens músicos do país, a tal Maison des Jeunes do título, o trabalho é o documento vivo da nova cena maliana e serve também como introdução para quem desconhece a música africana como um todo.

Com esta grande coletânea, formada por diversos artistas com referências musicais distintas, temos a chance de nos envolver de diferentes formas com um estilo musical muitas vezes novo ao nossos ouvidos. Por isso que a participação de músicos ocidentais deveria servir como uma ponte entre lugares ainda não atingidos em nossos ouvidos, o que ocorre em alguns momentos mas não faz perder a identidade africana do som em nenhum momento. O single Soubour feito pelo Songhoy Blues tem a participação de Zinner, que coloca a sua guitarra para criar solos áridos e que combinam com a visão desolada de um país que sofreu bastante nos últimos tempos. O seu adendo, não é, no entanto, intrusivo, podendo ser considerado na verdade o acréscimo necessário de uma textura que surge como a cereja do bolo.

O pacote regionalista nos proporciona diversas faixas belíssimas, como a sentimental Yamore, feita por Gambari. Não conseguimos compreender o que suas letras querem dizer, ou se estamos diante de palavras belas ou não, entretanto o sentimento que nos é passado através da canção é arrebatador e nos deixa emocionados ao tentar compreener o que está sendo passado aqui. Dougoudé Sarrafo é outro momento intenso, e sentimos o lamento através da voz feminina que exala por toda parte. O Hip Hop surge na ótima Rapou Kanou, música extremamente rápida e que nos abre a cabeça sobre o que pode ser criado com o estilo nas diversas partes do mundo.

O lado eletrônico, auxiliado por Brian Eno, dá as caras na faixa criada por Lil Silva, Bouramsy. Nela, somos levados por uma percussão extremamente típica do continente e, ao mesmo tempo em que nos vemos batucando tudo o que está ao nosso alcance, uma transição baseada no surgimento de um baixo dá a cor necessária nesta canção instrumental. A abertura Fantainfalla Toyi Bolo, de Adama Koita, é viciante. Percebemos o Afrobeat sendo feito nos mínimos detalhes, mas os seus toques melódicos o diferenciam bastante das obras feitas por Fela Kuti, músico da Nigéria. Dançante e empolgante, é a melhor música do álbum.

São poucos os momentos que conseguimos entender ao menos o idioma que está sendo falado. Season Change, Rap de Ghostpoet feito em inglês, e a linda Farafina, de Moussa Traoré, canção com uma instrumentação de cordas riquíssima e distinta do que estamos acostumados, tem uma letra que aborda toda a história da Africa, de embrião da humanidade até o seu atual estado de abandono. Ambas podem ser compreendidas. No entanto, não precisamos entender as letras, ou saber o que signfica a palavra dita. Compreendemos através dos fonemas inéditos e instrumentos distintos que a música flui nas veias do povo de Mali e apresentação de seus novos artistas nos faz abrir olhos e ouvidos para o que é tocado em outros cantos do nosso planeta. A qualidade sonora é indiscutível, levando Brian Eno a afirmar que “os músicos são tão extraordinários que me fazem considerar mudar de carreira”. Logo, não perca o seu tempo e entre de cabeça na música africana através de Mali, um dos países mais ricos e potentes nesta arte, com Maison des Jeunes.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.