Resenhas

Fuzzcas – Feliz Dia de Hoje

Com referências setentistas, disco é ótimo para orfãs do som desta década

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Ano: 2014
Selo: Independente
# Faixas: 11
Estilos: Rock Alternativo
Duração: 27:08
Nota: 3.5
Produção: Pedro Dias

Reflexões sociológicas pipocam aqui e ali, teimando em atrapalhar a clareza desta análise crítica da estreia dos cariocas do Fuzzcas. A pergunta que teima em surgir é: por que um disco como Feliz Dia de Hoje não está tocando em rádio, sendo comprado nas lojas, liderando listas de “mais downloadeados” em sites? O que aconteceu com o gosto do público brasileiro capaz de se interessar por música Pop? É mesmo irreversível a suposta norma de que o sucesso passa pela facilidade extrema? Pela banalidade total? Se for, o som da banda permanecerá privilégio de poucos, talvez um destino mais justo para todos, uma vez que, ao contrário do que vemos em toda parte, fama e grana não são só o que importa.

Fuzzcas é um quarteto formado por Carol Lima (vocais), Leandro Souto Maior (guitarra), Fabiano Parracho (baixo) e Lucas Leão (bateria). O nome é uma feliz junção de pedal de guitarra fuzz e o simpático automóvel popular alemão, que se tornou muito brasileiro com o passar do tempo. Eles estão em atividade desde 2006 e teimam em fazer Rock clássico hoje. O termo não se refere à variante menos inovadora do estilo, mas quer estabelecer parentesco entre o quarteto e formações do passado, que entendiam o Rock como algo que veio da aceleração do Blues e da mistura do Country americano com o R&B, formando um novo ritmo, um novo som. A conexão do Fuzzcas está lá, em algum lugar dos anos 60, em alguma nuance pioneira dos cantores de uma Jovem Guarda que ainda não tinha este nome. De alguma tarde perdida em assobios de melodias prontas para receberem vocais femininos. A voz de Carol Dias tempera a massa sonora acima de qualquer suspeita, causando uma sensação interessante de contraste, na base do “é Rock, mas é bonitinho”, sem descambar para o estigma “música de mulherzinha”. As letras falam do cotidiano sem que haja necessidade de estabelecer uma noção de tempo, são reflexões que caberiam hoje, ontem, anteontem. A abertura com Acorde Mais Cedo é emblemática. Uma sugestão de dois segundos da introdução de Good Day Sunshine, daquela banda lá de Liverpool e a voz da moça surge cantando “levante da cama, deixa o sol entrar, diga bom dia, custe o que custar”, num otimismo real. A mesma personagem que cumprimenta de manhã, é a que atende por Bad Girl, na canção seguinte, que aponta mais claramente para uma espécie de cotidiano Rock’n’Roll igualmente possível.

Uma semi-balada surge em Se A Saudade Bater, totalmente “beatle”, no melhor sentido melódico do termo, com metais e efeitos discretíssimos. E Você Ia Voltar, Sem O Cheiro De Cigarro, Comendo Algodão Doce, com título enorme, mistura sonoridade clássica com mudanças de andamento que sugerem algo do primeiro disco da banda The Strokes. Se Uma Boba Eu For é outra amostra de como pode funcionar essa interseção entre sonoridades “beatle” e os vocais femininos. Hey Hey Baby é nervosinha, Viva La Vida é melodia com levada clássica e dançante, Oh! Meu Bem é romântica sem ser piegas, falando de discos que tocam a canção do casal após que tudo termina, uma sensação universal, digamos assim. A pisada firme de Tic Tac Do Amor nos primeiros momentos do Rock no Brasil, chegando a lembrar muito Cely Campello, é ligação imediata com outros fãs da sonoridade inicial do estilo em outras épocas, entrando no mesmo terreno de João Penca e Miquinhos Amestrados e alguns momentos de Léo Jaime. O encerramento de Vamos Brincar De Roda acena para um elemento estranho ao restante das canções do disco, soando desconexa e excessivamente lúdica, mas sem atrapalhar o resultado final.

A produção de Pedro Dias, ex-baixista de Filhos da Judith e integrante da banda de apoio de Erasmo Carlos, confere o charme do embolo temporal na sonoridade do Fuzzcas. É velho? É novo? É Rock? Podemos dizer que é tudo isso, é bem feito, tem personalidade e tem futuro. Conheça. Anda, vai.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.