Resenhas

Jay-Z – 4:44

Disco mais pessoal da carreira do rapper é uma resposta direta aos questionamentos que sofreu nos últimos anos

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Ano: 2017
Selo: Roc Nation
# Faixas: 10
Estilos: Hip Hop, Rapp
Duração: 36:11
Nota: 4.0
Produção: No I.D.

4:44, 13º álbum de estúdio de Jay-Z, parece ser a execução perfeita de tudo que fãs e críticos desejavam que fosse feito pelo rapper a esta altura de sua carreira. Ao mesmo tempo em que funciona como uma janela indiscreta que expõe seus conflitos mais íntimos, é abrangente a ponto de abordar quase tudo que parece envolver a vida do rapper: família, poder, dinheiro, racismo, trabalho, legado e seus desdobramentos.

A escolha do produtor No I.D. para todas as faixas do disco já serviu para chutar um dos elefantes brancos da sala. Confiar o trabalho completo a um dos mais respeitados nomes por trás das batidas do Hip-Hop contemporâneo e pilar do que se conhece como escola de Rap de Chicago sinaliza que Jay-Z buscava a excelência nas batidas, mas sem ambições de revolucionar o estilo ou de se encaixar em tendências da música Pop, erro do qual é frequentemente acusado de ter cometido em seus últimos trabalhos. Melodicamente, o disco é coerente, conforta e empolga na mesma medida durante toda sua duração, pois tem em sua base as raízes da música negra, seja o Soul, o R&B, o Jazz ou o Reggae, mas trabalhadas com a fragmentação, a sobreposição e com os elementos sintéticos que caracterizam o estilo nos dias de hoje. Uma escolha direta ao ponto, com o objetivo de não tirar o protagonismo da lírica do primeiro rapper a integrar o Hall da Fama dos compositores americanos.

Muito se falou sobre as letras de Jay-z tratarem de seus deslizes conjugais e de sua relação com Beyoncé, mas talvez este seja um recorte limitado dos temas abordados no disco. O núcleo de tudo está na importância que Jay-Z dá ao trabalho – muito coerente com a visão de homem moderno, constituída na virada para o século 20. Shawn Carter parece se ver hoje, muito mais como homem de negócios, como empresário, do que como rapper ou músico. A obsessão com o dinheiro, presente em todo o disco, mas mais evidente na faixa The Story of O.J. – com um dos refrões mais agudos do Rap recente -, mostra que Jay-Z enxerga a liberdade financeira como caminho para as injustiças. Faz questão sempre de destacar seus acertos e arrependimentos financeiros e também de destacar as consequências que sua dedicação ao trabalho trouxe para sua vida pessoal.

Esta é a tônica do disco, uma reflexão do próprio Jay-Z sobre sua carreira como músico, que foi o ponto de partida para seu sucesso como empresário e consequentemente a importância que conquistou na história da música, do Rap e dos negros nos Estados Unidos. Kill Jay-Z abre o disco pincelando todas as polêmicas que seriam dissecadas nas faixas a seguir – desconfiança do público com seu trabalho recente, seu caso de traição, a proposta de seu serviço de streaming Tidal, a briga recente com Solange e suas rusgas com Kanye West – entre outras alfinetadas pontuais.

A partir daí, cada faixa tem seu foco, mas sempre englobando uma conexão entre todos os temas. The Story of O.J. é a visão do músico sobre passado, presente e futuro dos negros em seu país, Smile foca em sua mãe, Gloria Carter, que se assumiu homossexual depois de muitos anos nas “sombras”, como ela mesma relata em uma impactante mensagem no final da música. Já 4:44 é a música que muitos estavam esperando, em que fala de seu caso de traição já tratado por Beyoncé no disco Lemonade. Em um disco em que Jay-Z faz questão de reforçar seu ego constantemente, esta é a faixa em que opta por se diminuir e expor todas as consequências que tal ato poderia ter para seus filhos e família no futuro.

Diante de temas com tanto peso, um deles parece ser uma pedra estranhamente grande no sapato do músico: sua relação com Kanye West. Em um disco que deveria servir como carta definitiva de Jay-Z relembrando sua importância e poder, ideia resumida com perfeição no verso de Smile, “In my rear-view mirror, objects is further than they appear”, o rapper cita seus conflitos com o ex-parceiro em uma quantidade de vezes semelhante a que cita sua família ou qualquer questão mais séria. Algumas escolhas inclusive, como a cor da capa do álbum semelhante a The Life of Pablo, a escolha de No I.D., mentor de West, para produzir o disco todo, a escolha do sample que sustenta Bam, o mesmo que sustenta Famous, faixa de Kanye West com Rihanna, em um disco tão cuidadoso e de tamanha importância, não parecem apenas coincidência. A maior parte das cutucadas de Jay-Z ao longo de sua carreira e também no disco são feitas com sutileza, já as de Kanye West são diretas, o que aparenta um momento ainda mais interessante e menos óbvio de fragilidade do poderoso rapper.

4:44 é um disco simples, o que o torna ainda mais impactante. No entanto, a pouca ambição melódica associada a um número acima do normal de referências a sua história e carreira fazem deste um disco muito mais interessante para quem acompanha a carreira do rapper de perto do que pra quem o enxerga casualmente como um ícone da cultura Pop. É um trabalho contraditório, que transita entre querer fazer o simples por não precisar provar nada para ninguém, mas ao mesmo tempo fazer questão de reforçar em cada uma das letras de onde vem toda sua importância e poder. É um Jay-Z novamente afiado e criativo, mas mais frágil do que nunca. Não reescreve a história, mas reforça seu lugar na pequena lista de nomes do Hip Hop com mais de duas décadas de relevância.

(4:44 em uma música: The Story of O.J.)

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BOM PARA QUEM OUVE: Drake, Kendrick Lamar, Kanye West
ARTISTA: Jay-Z
MARCADORES: Hip Hop, Rap

Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.