Resenhas

Tuyo – Pra Curar

Obra de estreia do trio paranaense é repleto de dor e beleza

Ano: 2018
Selo: Independente
# Faixas: 10
Estilos: Folk Experimental, Synthpop e Dream Pop
Duração: 37 min
Nota: 4.5
Produção: Gianlucca Azevedo e Pedro Soares

Kintsugi (além de ser o título de um álbum do Death Cab For Cutie é uma técnica japonesa de remendar peças quebradas de cerâmica. Mas ao invés de fazê-la ser perfeitamente o que era antes de se estilhaçar em pequenos pedaços, essa arte secular, que remonta do período feudal do país, tem como intuito mostrar as rachaduras e as falhas do objeto quebrado, porém usando ouro na cola que junta esses cacos. O novo objeto, agora, não só tem os traços do original, como também algo novo e totalmente único. Essa a arte de aceitar e mostrar (com certo orgulho) não só as imperfeições, mas também os machucados causados pela vida de certa forma está presente em Para Curar, disco de estreia do trio paranaense Tuyo.

Sem querer esconder em momento algum as rachaduras que a vida lhes causou, o trio usa isso como fonte para a beleza dolorosa de suas letras. O grupo “pinta de dourado” suas rachaduras e mostra isso a partir de sua poesia bastante acessível, sem ficar se escondendo atrás de metáforas elaboradas ou conceitos mirabolantes. Seu lirismo contido tem como temas os percalços da vida adulta (Vidaloca), a recusa de um amor (Cuidado), a perda de alguém querido (Terminal), um pessimismo cínico (Me Leva) e outros temas que, de certa forma, são cotidianos, pelo menos, dentro de nossas cabeças.

Para ficar em outra metáfora asiática, podemos citar a flor de lótus: que nasce muito bela em um ambiente lamacento e degradante, uma beleza que floresce num lugar quase inóspito, ainda que bastante fértil. A poesia do trio nasce de lugares assim, de lembranças sombrias, desilusões, brigas ou perdas familiares que quando revisitadas viram o substrato de letras lindas, confessionais e, o mais importante, que o seu público consegue enxergar pontos em comum com sua própria vida. São narrativas que todos nós já passamos e, por vezes, não é incomum se enxergar como protagonista dessas histórias contadas (e vividas) pelo trio.

Sonoramente, o disco é bastante diferente do que foi apresentado em seu EP de estreia, Pra Doer, lançado em novembro passado. Sai a “vibe voz e violão”, e entram muitos elementos eletrônicos, dando peso e atmosfera à essas letras e interpretação vocal do trio, com as belas vozes das irmãs Lio e Lay Soares e Jean Machado. Ainda assim, há bastante delicadeza no registro, com beats e texturas servindo de cama para o violão, que ainda está em cena, mas nem sempre tem o papel principal na canção, nem sempre é ele quem dita o clima (caso de Eu Não Te Conheço, dominada quase que somente por elementos não acústicos).

Outra diferença sentida no disco é a maior contribuição de Jean aos vocais, já abrindo o registro com a bela canção Terminal. Propositalmente, o grupo decide deixar claro logo de cara que existe algo diferente e que haverá novidades salpicadas ao longo das próximas nove canções, como sonoridades mais eletrônicas, muito reverb e manipulação de vozes – curiosamente, todos estes elementos já estão presentes nesta canção. Com ela, o trio já mostra a que veio e ao longo das próximas músicas vai variar esse ou aquele elemento, no que resulta um disco bastante diverso, que novamente quebra os paradigmas apresentados no EP. Talvez esse seja uma declaração de que nessa nova fase da banda pretende não se prender em amarras ou se ancorar em somente um ambiente criativo.

De certa forma, ouvir Pra Curar é um processo quase cíclico, de dor e cura, um processo que machuca e sara ao mesmo tempo. E essa “ciclicidade” do registro pode ser também percebida no começo de Terminal e ao final de Sem Querer. São duas músicas que lidam com a perda (de formas bem diferentes), mas que também contém um trecho pequeno de Candura (“Quando você vem, quando você vai”) – música vinda de Pra Doer. No fim das contas Pra Doer e Pra Curar fazem parte de um mesmo processo, de um mesmo ciclo de recuperação dos ferimentos que a vida causa – e nada melhor que usar essas cicatrizes que a vida lhe oferece como ornamentos, como um kintsugi que ganha nova vida após ser feito em cacos.

(Pra Curar em uma faixa; Terminal)

BOM PARA QUEM OUVE: Baleia, Ibeyi, The xx
ARTISTA: Tuyo

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts