Paul McCartney – Estádio do Mineirão, MG

Com sua “Out There Tour”, ex-Beatle emociona mais de 50 mil pessoas em Belo Horizonte relembrando os melhores momentos de sua carreira solo e em banda

Loading

Nota: 5.0

Uma jornada de mais de 24 horas tinha início às 5:00h do sábado, dia 04 de maio. Eu, minha esposa e meu enteado já estávamos despertos e com preparativos em curso para embarcarmos no ônibus que nos levaria a Belo Horizonte, ponto de partida da nova turnê de Paul McCartney, a Out There Tour. Explico o esquema: moramos em Niterói, região metropolitana do Rio, e, dentre vários baluartes da nossa terra, há a gloriosa Excursão do Maradona. A trama é simples, Cláudio “Maradona” faz transporte de shows para diversos lugares no Rio e próximos ao estado, sempre em ônibus confortáveis e pontuais. A idéia era sair às 6:00h da manhã e, após sete horas de viagem, descontando paradas no caminho para café e almoço, chegar em Belo Horizonte, esperar o tempo necessário na fila do Mineirão, entrar, ver o show, sair, pegar o ônibus e voltar pra casa, no clássico formato “bate e volta” de viagem. É cansativo, mas, como disse, eficiente e confortável. O grande imprevisto, que quase me exclui do evento foi um problema na coluna, reverberando para o joelho direito, me dificultando bastante a locomoção. Cheguei a desistir da ida, ver minha esposa e enteado saírem pela porta de casa, ligarem do ônibus dizendo que tudo estava em seus devidos lugares. Foi aí que decidi que a situação pedia um sacrifício. Em dez minutos eu embarcava no ônibus, que, gentilmente, esperou por minha chegada. Não se enganem, o joelho direito doeu durante todo o tempo mas não há qualquer arrependimento em ter ido. Pelo contrário.

A viagem até a capital de Minas Gerais transcorreu sem problemas. Chegamos às portas do Mineirão por volta das 15:30h. Mais duas horas e meia de fila e estávamos dentro do renovado estádio de futebol. Cabe destacar, infelizmente, a grande e assustadora falta de preparo da organização do show. Desde a fila, os funcionários da turnê, vestidos com camisetas verdes, apresentavam informações desencontradas sobre a possibilidade de entrar com comida (no nosso caso, simples, eficientes e deliciosos sanduíches de presunto e queijo prato e uma barra de chocolate, derretida no fundo da bolsa). Uns disseram que não havia problema, outros sentenciaram que a comida ficaria fora do estádio. Neste momento, a primeira crise. Estrangulados nas roletas que davam acesso às cadeiras superiores vermelhas, ficamos esperando muito mais do que o aceitável até que os funcionários passassem pela fila com sacos plásticos improvisados, pedindo para que deixássemos as garrafas plásticas. Latas de cerveja e refrigerante também estavam proibidas. Além disso, o expediente – correto – de permitir o acesso antecipado ao estádio de pessoas com necessidades especiais foi adotado em cima da hora, tornado mais caótica a espera para chegar aos lugares no estádio. Uma vez acomodados, nos restava esperar o show, nos sujeitando a vendedores de água (copo de 300 ml), cerveja e refrigerantes em lata, cobrando valores astrofísicos (além dos astronômicos) por suas mercadorias. A água custava sete reais, as bebidas em lata, dez reais. O problema maior, no entanto, não foi esse.

A uma hora e meia do início do show, perto de 20:00h, notamos que o fluxo de pessoas adentrando nosso setor aumentava. Olhando em volta, grande parte dos assentos já estava preenchida, gerando a tradicional situação de pessoas em pé nas escadas, impedindo a vista do gramado e do palco por quem já estava sentado. Não houve funcionário do estádio ou brigadista de incêndio capaz de convencer os atrasados de que as passagens precisavam ficar desimpedidas, que aquilo era um evento internacional, que teremos competições mundiais em breve, que um acidente poderia acontecer. Nada, nenhum argumento foi suficiente diante da justificativa: “comprei meu ingresso, paguei, logo, dane-se” tão típica da classe média brasileira. Houve quem comentasse que a própria organização do show calculou mal a quantidade de ingressos a serem vendidos, causando um óbvio overbooking, que, poderia ter causado acidentes sérios e queimado o filme da cidade e do país. Felizmente, nada aconteceu, além do irritante estrangulamento do espaço. Para quem estava precisando esticar a perna, caso deste articulista que vos escreve – a situação era ainda mais desagradável.

A partir das 21:30h, no entanto, grande parte do desconforto foi dissipada pela presença de Sir James Paul McCartney e sua sensacional banda de apoio no palco. Pontualidade britânica, eficiência internacional e a velha simpatia de sempre. Uma das grandes demonstrações de educação por parte de artistas consagrados é se arriscar no idioma local. Lembrem-se dessa regra. Se o sujeito lá do palco mandar alguma palavra constrangedora em português, ele está sendo educado e atencioso. Um cara com o passado de Macca não precisaria disso, mas, além de falar português, o homem tem a manha de falar termos típicos dos locais por onde passa. Vê-lo mandando coisas como “Oi, Bêagá” ou “êta, trem bão, uai” para uma plateia de mineiros extremamente felizes em estarem na presença do velho beatle foi um espetáculo à parte. Com um paletó no melhor estilo azul-Roberto Carlos, Paul deu início a um memorável show de mais de 150 minutos de duração.

Tive o privilégio e a sorte de presenciar, além do show do Mineirão, outros quatro espetáculos de Macca. Dois no Maracanã em 1990, Morumbi em 2010 e Engenhão em 2011. Até então, meu parâmetro era o segundo show de 1990, no qual o homem vinha com sede de bola para abraçar de vez o repertório dos Beatles, algo que Paul, desde os tempos dos Wings, sempre procurou evitar. Várias vezes ele disse que estava em outra banda, que havia canções novas (e ótimas) para mostrar, mas a partir de 1976, na turnê de divulgação do disco Wings At The Speed Of Sound, registrada no disco triplo Wings Over America (que está sendo relançado neste mês, em várias versões de luxo, remasterizado e ampliado, além do filme Rockshow, que documenta a turnê americana de 1976 da segunda banda de Paul). Com o tempo, entretanto, Paul não conseguiu se livrar do passado. Em 1990, a turnê Tripping The Live Fantastic refazia a conexão definitivamente. Se houve algum tabu por parte de Macca em tocar canções dos Beatles no palco, ele se foi há muito tempo. Das 36 canções do show, 23 eram dos Beatles, incluindo as estréias mundiais de Your Mother Should Know (Magical Mystery Tour, 1968), All Together Now (Yellow Submarine, 1969), Being for the Benefit of Mr.Kite! e Lovely Rita, ambas do memorável Sgt. Pepper’s, de 1967.

Com a tranquilidade dos velhos mestres, McCartney inicia o show com Eight Days A Week, direto de Beatles For Sale, lançado em 1964, até hoje um dos álbuns menos populares dos Fab Four. Se há alguém receoso ou reticente sobre o show dentre as mais de 50 mil pessoas presentes no Mineirão, qualquer dúvida é dissipada imediatamente. A partir daí tem início o desfile de pequenos, médios e grandes colossos da história do Rock das últimas cinco décadas. All My Loving traz a beatlemania em estado bruto. Os amigos John e George são homenageados com Here Today e Something, respectivamente. O novo disco, Kisses On The Bottom comparece com My Valentine, feita para a atual esposa de Paul, Nancy. Coube a Paul ser o portador do legado beatle, algo que ele aceita sem problemas. Seu show é feito para proporcionar diferentes viagens no tempo a diferentes fãs, sempre satisfazendo a todos. Por mais que falte uma ou outra canção no setlist (para mim, Coming Up, Good Night Tonight, I Saw Her Standing There, For No One, She’s Leaving Home, Silly Love Songs…) sempre haverá compensação em grande quantidade ao longo do caminho que Paul nos conduz. A banda é uma atração à parte. Liderada por Wix Wickens nos teclados, acordeão e outros instrumentos, o núcleo formado pelos guitarristas/baixistas Brian Ray e Rusty Anderson, além do baterista extraordinaire Abe Laboriel Jr, ela é capaz de executar com precisão de arranjos e interpretação todo o repertório assinado por Macca em suas distintas fases. A felicidade dos caras no palco é palpável, a versatilidade é imensa e tudo sai próximo da perfeição.

Destaques de sempre: a versão aerodinâmica de Let Me Roll It; a pirotecnia de Live And Let Die, cheia de fogos de artifício, chamas no palco e explosões; o resgate de pérolas como Another Day, And I Love Her e Listen To What The Man Said; a beleza perene e indestrutível da trinca Let It BeThe Long And Winding RoadHey Jude, saudada com cartazes com as inscrições “Thank You”, exibidos pela platéia.

O primeiro bis vem com o pé na porta de Day Tripper, uma das mais influentes canções dos Fab Four, para emendar com Lovely Rita e Get Back. O segundo vem com a indefectível Yesterday” ao violão, a versão peso-pesado de Helter Skelter e o apoteótico, irrepreensível e belíssimo encerramento com um medley do lado B de Abbey Road, composto por Golden Slumbers, Carry That Weight e The End. Para ofuscar o brilho intenso da noite, uma falha clamorosa do sistema de som prejudicou seriamente Band On The Run. O povo cantou a letra o quanto pode, mas o resultado foi comprometedor e inadmissível para um artista do calibre de Macca.

Após mais nove horas de ônibus e algum descanso, este é o relato da pequena odisséia para ver Paul McCartney em Belo Horizonte, empreendida por pessoas que amam música pop e que não podem viver sem ela. Este é um texto de fã, perdoem se há muito de jornalismo nele. A esta altura do campeonato, do jeito como estão as coisas e como podem ficar, dá vontade de viver nesta dobra temporal sonora que um show de McCartney nos proporciona. Quem viu terá histórias primorosas para contar aos netos.

Setlist

Eight Days a Week
Junior’s Farm
All My Loving
Listen to What the Man Said
Let Me Roll It
Paperback Writer
My Valentine
1985
The Long and Winding Road
Maybe I’m Amazed
Hope of Deliverance
We Can Work It Out
Another Day
And I Love Her
Blackbird
Here Today
Your Mother Should Know
Lady Madonna
All Together Now
Mrs. Vandebilt
Eleanor Rigby
Being For The Benefit Of Mr. Kite
Something
Ob-La-Di, Ob-La-Da
Band On The Run
Hi Hi Hi
Back In The USSR
Let It Be
Live And Let Die
Hey Jude

Bis
Day Tripper
Lovely Rita
Get Back

Bis
Yesterday
Helter Skelter
Golden Slumbers/Carry that Weight/The End

Loading

MARCADORES: Mineirão

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.