Caetano Veloso abre as portas do Primavera Sound na cidade do Porto

Haim e Kendrick Lamar fazem ótimas apresentações e roubam a cena no primeiro dia do evento

Loading

Fotos: Hugo Lima - NOS Primavera Sound

Continuamos a nossa cobertura do Primavera Sound 2014, mas desta vez na belíssima cidade do Porto. A edição lusitana pode ser considerada uma versão mais enxuta do festival em todos os sentidos: Onze palcos se transformam em quatro e um lineup mais reduzido, mas ainda com grandes nomes que estiveram em Barcelona, figura em seu cartaz. Se perdemos alguns artistas e espaço, ganhamos mobilidade e uma experiência bastante distinta: O bonito Parque da Cidade traz árvores e natureza em um local perfeito para realização de shows com seus anfiteatros naturais. Se não bastasse todos estes pontos diferentes, a sua realização em Portugal traz conforto sobretudo aos brasileiros, pois os preços reduzidos em relação ao resto da Europa, a semelhança cultural e a simpatia dos lusos deixam o ambiente propício à diversão e fácil adaptação.

No primeiro dia do evento, tivemos um esquema semelhante ao de Barcelona que, apesar de não realizar concertos gratuitos, reduziu o número de palcos a dois somente, ambos do lado um do outro. Tal comodidade ainda era auxiliada por telões que permitiam mesmo quem não estava vendo o show em seu local de realização aproveitá-lo. Foi assim que, no dia 5 de Julho, tivemos bons concertos dos brasileiros Rodrigo Amarante e Caetano Veloso, as meninas do trio Haim, Sky Ferreira, o Indie Soul do grupo Spoon, o rapper Kendrick Lamar e a psicodelia de Jagwar Ma naquele que será o dia mais eclético de todo o festival.

Ao entrar no recinto, já podíamos perceber o grau de intimidade que o evento teria: barracas de comida e pequenas lojas com diversos artigos, desde discos até roupas, eram similiares aos encontrados em Barcelona, mas todos em quantidades menores sendo espalhadas em um espaço somente do parque. A natureza do local, misturando a vegetação distinta da cidade portuária com o mar ao lado, mostrava que, se a chuva caisse no festival, demorararia a passar. Por sorte, somente uma garoa fina caiu naquela noite. Indo direto ao show de Amarante e aproveitando para sentar no morro que permeia o palco Superbock, tínhamos o abrigo ideal para um concerto que já havia se mostrado bem calmo e sereno.

As faixas de seu disco Cavalo, melancólicas e bonitas, funcionaram bem para o início do festival deixando todos mais aconchegantes no frio que faz na cidade nesta primavera. Para os portugueses e ingleses, duas das nacionalidades mais vistas por aqui, as coisas funcionaram bem, sobretudo aos primeiros que estão acostumados com atos de voz marcantes do Fado, gênero nacional muito popular em Portugal. Para quem já viu o show e gosta dos trabalhos anteriores do músico, sempre se espera que músicas como Maná sejam mais vezes compostas, claramente o momento em que todos esperam para dançar neste, que para mim, é ainda é o seu melhor momento ao vivo e do disco. No entanto, a empatia natural entre público e cantor o deixaram feliz em sua morna, porém bonita, apresentação.

Logo em seguida, os norte-americanos do Spoon, com quase 20 anos de atividade e um novo disco a caminho, retornavam às atividades e o ritmo das turnês para mostrar ao público grandes clássicos de sua discografia e faixas novas. Os mais jovens, quando os escutam, percebem o Indie Rock presente mas naturalmente, mas os elementos que fazem o grupo interessante fogem um pouco deste gênero. Como a música Rhthm & Soul, tocada ontem, que exemplifica bastante seu som, um misto de Rock com elementos de R&B e Soul, entoados pelo simpático vocalista Britt Daniel. O clima estava bastante dançante, permitindo mesmo quem não conhecesse o grupo a se divertir. A banda mostra que tem algo diferente na cena atual, apesar de demonstrar um ímpeto menos explosivo em uma apresentação mais calma e com espaços para improvisação. Grandes faixas como The Underdog, Don’t You Evah e You Got Yr. Cherry Bomb, de Ga Ga Ga Ga Ga, seu disco mais famoso, foram o convite à memória do público em um divertido e direto concerto.

Os dois maiores palcos, localizados um ao lado do outro e com um bom espaço de tempo entre as apresentações, algo em torno de 10-15 minutos, fizeram do deslocamento no festival algo bastante simples e sem o caos de grandes aglomerações. Trazendo um público mais feminino e sobretudo jovem, a cantora Sky Ferreira faria uma apresentação menos conturbada que a de Barcelona – a chuva daquele dia a impossibilitou de se apresentar minimamente bem, atrapalhando o seu som e sua concentração. Em Porto, no entanto, tudo correu bem e podemos dizer que o show da cantora no Brasil terá uma aura bastante roqueira, contrastando bastante com a imagem frágil da capa de seu disco, Night Time, My Time. Aqui, Sky se produziu como uma Joan Jett moderna – toda de preto, jaqueta de couro – e fez uma bela apresentação, se resumindo obviamente ao seu único trabalho de estúdio. Um bom tapa na cara de quem estava sendo preconceituoso com seu concerto que, se não reinventa a música, ao menos diverte, sobretudo os seus fãs.

Uma das apresentações mais esperadas por todos era a de Caetano Veloso. A turnê de Abraçaço, um lançamento preciso na discografia do baiano, extremamente moderno e que exemplifica a atenção do cantor com as tendências da música atual, já havia sido um dos grandes concertos de Barcelona, atraindo as mais diversas nacionalidades para conhecer a música de um dos maiores nomes vivos de nossa MPB. No entanto, Caetano não precisava ganhar o público aqui, pois todos sabiam de quem se tratava ao e, se não conheciam profundamente a sua obra, sabiam que poderiam esperar boa música. Escolher a banda Cê para acompanhá-lo em suas composições e shows foi uma das melhores decisões que ele poderia ter tido: o Rock cru do grupo, tocando várias faixas de seu elogiado disco, assim como seus grandes clássicos, o deixa em uma roupagem conteporânea com ares de Indie Rock e compreensível aos mais jovens, o trazendo para mais perto de quem queira conhecé-lo melhor. Com diversos brasileiros na plateia, inclusive Rodrigo Amarante, as músicas Luz de Tieta, Nine Ouf of Ten (tão dificil de ser tocada), Triste Bahia , Eclipse Oculto e Leãozinho (a mais celebrada e esperada por grande parte do público) fariam do seu concerto um dos mais aplaudidos e celebrados, com espaço inclusive para o bis. Sem a distância linguística existente em outros lugares, Caetano se sentiu em casa realizando um emocionado e feliz, vísivel em seus olhos, show.

Mostrando que o tema do dia era a diversidade, logo em seguida tivemos as irmãs do trio Haim fazendo um dos concertos mais divertidos de todo o dia do festival, mostrando que estávamos certos ao colocá-las como uma das grandes promessas de 2012. A intimidade que só a família consegue te dar faz com que o grupo saiba conduzir muito bem o seu show, alterando entre os momentos que naturalmente passam pelo Pop misturado ao R&B bastante anos 1990 do grupo e outros que mostram um formato mais roqueiro de arena das cantoras. No entanto, fugindo do estigma do Pop banal que passou por aquela década, podemos ver ao vivo que todas são instrumentistas de verdade, com a baixista “careteira” Este tendo um papel principal aqui ao levar o suíngue e o ritmo de dança ao público. A vocalista principal, Danielle, tem atitude de rockstar com a produção do concerto: solos de guitarra, jam sessions e brincadeiras com percurssão são todas conduzidas por ela, enquanto Alana, a irmã mais nova, seria a versão mais enérgica e doida das irmãs, pulando de um lado ao outro e trocando de instrumentos compulsivamente. Extremamente divertido e dançante, mostra que seu show é acessível, bem produzido e que as irmãs estão fazendo algo que sempre desejaram fazer: ser uma banda. Falling, Forever, The Wire e Don’t Save Me, presentes em Days are Gone foram algumas das músicas tocadas ontem com um público enérgico e entregue ao grupo, sobretudo nos momentos em que são mais dançantes que roqueiras.

Em seguida, teríamos aquele que foi o concerto com a maior adesão de todo o público do festival: Kendrick Lamar. Ao longo do dia podíamos perceber uma audiência que veio ao Parque da Cidade para somente ver o rapper, lotando a área da grade do Palco Nos durante o show da Haim, o que só poderia resultar em um show vibrante e celebrando o melhor do Hip Hop atual. Se em Barcelona o rapper tinha que disputar espaço com atos totalmente diferentes, em Porto – com somente um show sendo realizado – todos ali poderiam dar atenção à sua apresentação, a mais lotada de todas. Tocando integralmente o seu excelente disco good kid, m.A.A.d City, mas transformando as suas faixas ao vivo com o apoio de uma banda completa, Kendrick teve o domínio de todos os olhares, ganhando respeito inclusive de quem não gosta ou pelo menos não gostava do estilo. Mostrou o porquê de ser um dos mais celebrados MCs de sua geração: faixas eram sobrepostas, remixadas ao vivo e o espaço de tempo entre o término e o início da próxima era inexistente. Incansável, o músico não precisou gastar os seus cartuchos com seus maiores hits logo no começo, passando por outras faixas menos conhecidas como Art of Peer Pleasure, Real e Compton antes de ir naturalmente aos sucessos entoados pelo público, Bitch Don’t Kill My Vibe e m.A.A.d City. Se aquele dia tinha um vencedor, este era o cantor ao pegar ouvintes ecléticos e transformá-los em uma massa somente, pulante e dançante. Existe um ditado em Portugal que diz que os jovens interesssados em música são divididos em dois grupos: os filhos de Tupac e os filhos de Paul McCartney. Pelo menos por aquela noite, ambos estavam no mesmo grupo, celebrando o renascimento do Hip Hop no país, algo falado em diversos veículos musicais daqui.

Para terminar o primeiro dia do Primavera Sound na cidade do Porto, veríamos mais uma vez a boa apresentação dos australianos do Jagwar Ma. Apesar de estarem diante do menor público do dia após grande parte dos presentes irem embora depois da apresentação de Kendrick, tivemos mais uma vez uma boa celebração ao Acid House que o duo faz ao vivo. Já havia visto Primal Scream em terras portuguesas e entendido que o estilo fez muito sucesso por aqui, o que naturalmente seria interesante no último concerto da noite. Se a execução é diferente dos grandes nomes que tocavam com bandas completas anteriormente, a escolha por um DJ, Jono Ma, para colocar as batidas se mostra interessante de início com guitarra e baixo sendo tocados pelos músicos Gabriel Winterfield e Jack Freeman, respectivamente. Ao vivo, o grupo ao menos mantém o espirito enérgico do estilo intacto em uma lisérgica apresentação que teve a belíssima participação da baterista do grupo Warpaint, Stella Mogzawa, nas faixas Come Save Me, Four e no maior sucesso, The Throw, todos de Howlin. Ao final, mostrou que um baterista de verdade traria um bom alívio sonoro aos grupo, dando uma maior liberdade para eles no palco.

No dia mais eclético de todo o festival (contando Barcelona e Porto), pudemos notar que o público português está aberto para os mais diferentes estilos musicais em um evento enxuto, diminuto e mais agradável, ao meu ver, fugindo da loucura espanhola e distâncias entre palcos de até 20 minutos bem andados. Mostra também que o evento aqui tem personalidade própria e que não só o ambiente e seu tamanho, mas toda a atmosfera da cidade propiciam uma experiência totalmente distinta e talvez ainda mais agradável aos brasileiros. Continuamos a nossa atividade diariamente até o sábado, 07 de Junho, quando o Primavera Sound se encerra. Vamos nessa!

Loading

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.