50 anos de “Perfect Angel”, de Minnie Riperton

Há meio século, a artista de Chicago cantou o poder revolucionário do amor por meio do soul – em um disco que vai muito além do hit estrondoso “Lovin’ You”

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Fotos: Reprodução

A garota de Chicago, nascida numa família de músicos no final dos anos 1940, estava destinada à fama: Minnie Riperton, desde criança, estudou dança, teatro e canto no Abraham Lincoln Center e, aos 15 anos, já soltava a voz pelos palcos. Com interesse especial por jazz, soul, R&B e rock, ela, antes de engatar uma triunfante e infelizmente breve carreira, chegou a ser backing vocal de nomes como Etta James, Chuck Berry e Muddy Waters. O ponto alto de sua obra, sem dúvidas, está em Perfect Angel, que completa 50 anos em 2024 – e que vai muito além do sucesso “Lovin’ You”.

Minnie e Stevie (Jet Magazine, 1975)

Antes da gravação do segundo disco, sucessor do algo tímido – e hoje prestigiado –Come To My Garden (1970), a cantora havia deixado a música de lado para cuidar dos filhos, nascidos em 1968 e 1972: Marc Rudolph e Maya Rudolph (sim, a prestigiada atriz e comediante).

Tudo mudou quando um estagiário da Epic Records ouviu a demo da faixa “Lie In The World” – que, aliás, acabou nunca sendo lançada – e decidiu entrar em contato para a gravação de um novo disco. Depois de assinar com a gravadora, Minnie se mudou para Los Angeles após a confirmação de que o álbum seria produzido por ninguém mais, ninguém menos do que Stevie Wonder – sob o pseudônimo “El Toro Negro”, para evitar problemas com a Motown. À época, até foi criada uma gravadora de fachada, chamada Scorbu Productions, com Richard Rudolph, marido de Minnie, assumindo o papel de coprodutor – ainda que, no fim, o disco tenha sido comercializado pela Epic Records.

De qualquer forma, o encontro entre Minnie e Stevie garantiu uma diversidade de gêneros que foi decisiva para o projeto se tornar um clássico. As canções vão do rock ao soul, do jazz às baladas sensíveis, exalando groove sem deixar o romantismo de lado – e vice-versa.

Riperton imerge em temas variados: o amor pela vida e a constatação da existência de pessoas queridas em “Reasons”, abertura bem rock’n’roll; a longevidade das amizades verdadeiras aparece em “It’s So Nice (To See Old Friends)”; a alegria de olhar para alguém que se ama é celebrada em “Seeing You This Way”; a beleza dos pequenos momentos e o deslumbre com um mundo ideal formam a tônica de “The Edge Of a Dream”. A última, inclusive, é uma homenagem ao famoso discurso de Martin Luther King, assassinado em 1968. Todo o repertório carrega um tom sonhador e esperançoso – e o amor revolucionário impresso nas canções de Perfect Angel é poderoso.

É um fruto do momento em que o disco foi gravado: nos anos 1970, ao mesmo tempo em que cresciam os movimentos pelos direitos de pessoas negras e o Partido dos Panteras Negras havia se consolidado, no campo da música era extremamente popular um soul mais abrangente, com toques de psicodelia e flertes com os mais variados os gêneros. Era uma época em que o soul se abria a novas possibilidades, enquanto as poesias e o discurso político celebravam o amor preto, o pan-africanismo e a fraternidade. Toda essa atmosfera é traduzida e conduzida, com maestria, pela habilidade vocal impressionante de Minnie, capaz de executar falsetes impecáveis como um canto de pássaro ou um riff de guitarra, tão agudas eram as notas que ela conseguia alcançar.

A capa também é um elemento marcante, já que as canções parecem nos transportar para aquela primavera quente de 1974 em que o disco foi lançado. O sorvete que derrete na mão direita de Minnie se tornou um símbolo visual marcante na cultura pop – inclusive, reproduzido há pouquíssimo tempo aqui no Brasil, em Inocente “Demotape” (2023), de Djonga. A influência parece estar no som também, com samples de piano, espaço para baladas românticas. Artistas como Notorious B.I.G., Ludacris e Erykah Badu, e produtores do calibre de 9th Wonder e No I.D. também já samplearam faixas do repertório de Perfect Angel.

Capítulo à parte do disco – e de toda a carreira da cantora –, “Lovin’ You” chegou ao topo do Hot 100 da Billboard e figurou na parada de singles americana durante 18 semanas. A melodia do hit surgiu muito tempo antes, quando o marido de Minnie a cantarolou em 1971, ainda em Chicago. Depois de ouvir Minnie entoando o que seria a melodia final da canção, Richard terminou de escrever a letra – ainda assim, tomou muito tempo para que a faixa deixasse a casa e fosse para o mundo. A canção se tornou um marco do soul romântico (ou da música romântica como um todo), perfeita para um clima de paixão, de chamego à luz de velas. Seu poder de expressar uma devoção amorosa a credenciou como uma espécie de clichê, e seu uso na cultura pop vai da seriedade à ironia, de cenas em filmes românticos a South Park. Indiscutivelmente, um clássico.

Dois anos após o lançamento de Perfect Angel, Minnie Riperton foi diagnosticada com câncer de mama e nos deixou em 1979, com apenas 31 anos de idade.  A cantora foi uma das primeiras celebridades a se pronunciarem publicamente sobre a doença nos Estados Unidos, o que fez dela um símbolo de conscientização e uma porta-voz para a Sociedade Americana contra o Câncer (AMC). Mesmo com uma carreira que terminou de forma tão precoce, Minnie é dona de um legado imortal, cuja força está na capacidade de transmitir, geração a geração, o poder revolucionário do amor por meio do soul.

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