5pra1: Chaka Khan

De clássicos a joias recentes, a Rainha do Funk tem uma discografia que prova que esse título não é à toa

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Fotos: Neal Preston/CORBIS

A série 5pra1 apresenta e destrincha cinco discos que servem como primeiro mergulho na obra de um artista.

 

Chaka Khan é o que podemos definir como uma diva do mundo da música: com voz surreal, beleza sedutora e uma mente inteligente e sagaz, a cantora de Chicago fez e faz história no universo do funk e do R&B desde os anos 1970. Chaka é artista de seu tempo, isto é, do agora, e segue criativa e vibrante ainda hoje.

Citada como referência por nomes que vão de Whitney Houston a Björk, Chaka Khan sempre foi inventiva e brincou com estéticas consolidadas sem jamais ser engolida por maneirismos, com uma personalidade além de rótulos. Em sua rica discografia, ela soube explorar como poucos os meandros da elasticidade vocal, sem soar exagerada ou cheia de firulas.

Chaka se chama, na certidão de nascimento, Yvette Marie Stevens, e foi criada por uma família católica, porém seu nome artístico foi dado por um babalaô Iorubá quando ela tinha 13 anos: Chaka Adunne Aduffe Hodarhi Karifi. O Khan veio de seu primeiro marido, Hassan Khan – eles se casaram quando ela tinha 17 anos e o casamento acabou pouco tempo depois. A juventude de Chaka é cheia dessas histórias que parecem saídas de filme e ainda seguem um tanto quanto envoltas em mistério, já que há poucos registros que recontam essa fase.

Uma história bastante lembrada é a de seu trabalho ao lado dos Panteras Negras durante os anos 1960. Chaka colaborou com os Panteras de 1967 a 1969, isto é, ela entrou na organização com 14 anos e ficou por lá até os 16. Ela atuou em diferentes funções, desde a distribuição de jornais informativos até o auxílio na preparação e distribuição de refeições gratuitas que o grupo promovia. É só depois dessas experiências que ela começa a se aventurar pelos palcos e a música.

Sua carreira começa nos anos 1970, com a banda Rufus e é com eles que surgem os primeiros grandes hits – e é lá também que se prova o seu star power. A presença poderosa de Chaka foi o charme do Rufus durante muitos anos, e ela acabou se tornando o rosto do grupo na mídia e no imaginário popular, o que, obviamente, gerou tensões e brigas cheias de ego dentro da banda. Em 1978, ela lança seu disco de estreia, Chaka, e ainda segue durante alguns anos com o Rufus, até cortar de vez os laços com a banda nos anos a partir dos anos 1980.

De lá para cá, a cantora já caminhou por diferentes linguagens e, além do funk e do R&B, passeou por jazz, soul, disco e a música eletrônica. Mesmo com lançamentos mais esparsos a partir da década de 1990, sua discografia se manteve interessante e dinâmica. E Chaka continua sendo uma figura pública poderosa. E Chaka segue sendo uma figura pública poderosa, que é celebrada em programas como Rupaul’s Drag Race e que, por exemplo, vai à mídia dizer que detestou o sample que Kanye West fez de sua música. Esses tempos ela até topou ser uma monstrinha na versão norte-americana do The Masked Singer.

Entre tantos clássicos e tantas histórias, é complexo separar cinco discos que apresentem a força de Chaka Khan, porém optamos por uma linha temporal que passa pela parceria da cantora com a banda Rufus, celebra seus clássicos e joga nova luz sobre seus mais recentes discos, obras também grandiosas. Esperamos que esse 5pra1 funcione como uma boa introdução a esse universo cheio de glamour, charme e groove de Chaka Khan.

 

Rufus featuring Chaka Khan (1975)

10 músicas e menos de 40 minutos de aulas e aulas. Rufus featuring Chaka Khan foi o disco que sedimentou a figura de Chaka Khan, tanto que a boca desenhada na capa do disco é simbolicamente relacionada sempre à cantora – a edição em vinil ainda trazia fotos poderosas de Chaka, colaborando para a sua aura de diva e de líder da banda. Foi a partir desse disco que começaram a surgir as primeiras tensões internas do Rufus, com alguns músicos não muito contentes com o sucesso de Chaka.

Fofocas de bastidores à parte, esse disco é uma das grandes representações do furacão que era o encontro de Chaka com o Rufus – além desse, vale também visitar Rags to Rufus, de 1974. Com grooves poderosos, riffs sedutores e a voz de Chaka dando tempero a esse caldo, Rufus featuring Chaka Khan chegou ao topo das paradas de soul dos Estados Unidos e ao sétimo lugar da parada pop do país. Mais do que um sucesso radiofônico, o disco encapsula toda aquela energia soul do final dos anos 1970, que cruzava com o funk e mantinha apelo pop. Ouça em volume bem alto e aproveite todas as camadas de som.

Destaques: “Sweet Thing”, “Dance Wit Me” e “Fool’s Paradise”

 

Chaka (1978)

O primeiro disco solo de Chaka Khan simplesmente abre com “I’m Every Woman”, talvez um de seus maiores clássicos  – e que, nos anos 1990, ganharia ganharia uma versão de Whitney Houston, para o filme O Guarda-Costas, igualmente um sucesso estrondoso. A faixa de Chaka foi seu primeiro single solo e ganhou um clipe com várias Chakas – produção anterior ao surgimento da MTV e com aquela aura bem 70s, à la clipes do Fantástico.

Além do poderoso carro-chefe, Chaka é um disco que já apresenta uma versatilidade em que soul, R&B e disco embalam romantismo e celebrações, sempre com insuperável charme. A voz impecável domina cada proposta e imediatamente a credencia como uma icônica figura pop. A estreia solo de Chaka tem produção de Arif Mardin, que seria seu parceiro de trabalho até meados dos anos 80, assinando discos como Naughty (1980) e o também excelente What Cha’ Gonna Do for Me (1981).

Em 1979, ela voltaria a gravar ao lado do Rufus novamente, porém Chaka já dava conta de que a mulher era um estouro e de que poderia fazer o que quisesse sozinha.

Destaques: “I’m Every Woman”, “Life Is A Dance” e “A Woman In A Man’s World”

 

I Feel For You (1984)

Em 1983, Chaka gravou um disco ao vivo ao lado do Rufus e esse trabalho marca o fim de sua parceria de sucesso com o grupo. Em 1984, sai I Feel For You, outro grandioso sucesso popular e que talvez marque seu momento de maior reconhecimento pop. Bebendo de todas as tendências oitentistas, I Feel For You é mais uma parceria com o produtor Arif Mardin e passeia por sonoridades pós-disco, trazendo sintetizadores e o pacote tão característico da década. Synthpop, R&B e música eletrônica se mesclam em um disco que sedimenta o que posteriormente muitos classificariam como “urban contemporary”, presente nos trabalhos de nomes como Janet Jackson e Mariah Carey.

“I Feel For You”, a faixa-título, é cover de uma faixa, de 1979, de seu grande amigo Prince, e que já havia sido gravada por outros artistas – porém Chaka inclui outros elementos aqui: samples de Stevie Wonder conversam com um o rap de Grandmaster Melle Mel, que cria o clássico “Ch-ch-ch-chaka-chaka-chaka Khan”. Depois que você ouvi isso uma vez, você nunca mais esquece. Maior sucesso radiofônico de Chaka, a canção abriga esse encontro entre a música pop e o hip hop, que se tornaria tão natural. “I Feel For You” grita anos 1980, mas segue ainda tão moderna e cativante.

É nesse disco que temos “Through The Fire”, canção que seria posteriormente sampleada por Kanye West, em “Through The Wire”, do disco The College Dropout (2004). A original é uma balada poderosa, bem romance anos 1980 e segue sendo uma delícia, como todo o o repertório. I Feel For You é um trabalho muito simbólico do momento em que nasceu, mas segue soando revigorante e cuidadoso, além de ressoar muitas das bases da música pop atual.

Destaques: “This Is My Night”, “I Feel For You” e “Through The Fire”

 

Funk This (2007)

Nos anos 1990, Chaka também produz trabalhos muito interessantes, que dialogam de forma inteligente com o R&B feito na época, mas para dar conta do nosso 5pra1, pinçamos o disco de 2007, Funk This – uma poderosa mescla entre soul e funk, que vem com verniz moderno das batidas do século 21. Com produção da dupla Jimmy Jam e Terry Lewis, conhecidos pela longa parceria com Janet Jackson, é um disco que demonstra o amadurecimento da voz de Chaka e seu cuidado artístico em cada detalhe.

Funk This passeia por canções compostas pela artista ao lado de diferentes parceiros, mas também traz covers quentíssimo, como de Carly Simon, em “You Belong To Me”; Prince, em “Sign ‘O’ The Times”, Jimi Hendrix, em “Castles Made of Sand”; e Joni Mitchell, em “Ladies’ Man”. É maravilhoso como Chaka dá sua identidade para essas canções, criando uma unidade que nos conduz e seduz durante todo o disco.

O ponto alto do álbum é seu encontro com Mary J. Blige em “Disrespectful”, colaboração, inclusive premiada, no Grammy de 2008, com o gramofone de Melhor Performance R&B por uma dupla ou grupo. Além disso, o próprio Funk This também conquistou o prêmio de Melhor Disco R&B na mesma cerimônia. A parceria entre Chaka e Mary J. ganhou um clipe incrível, que emula os clipes de rap e R&B da época, porém todo feito com crianças – vale conferir.

Destaques: “Foolish Fool”, “Disrespectful” e “You Belong To Me”

 

Hello Happiness (2019)

Como já dissemos, Chaka é sempre uma figura de seu tempo. Em Hello Happiness, ela se une ao DJ e produtor Switch para um álbum que cria diálogos entre a disco e a música eletrônica atual. Switch fundou o Major Lazer ao lado de Diplo e trabalhou na produção dos quatro primeiros discos de M.I.A.. Em Hello Happiness, ele assina a produção de todas as faixas, assim como Chaka assina a letra de todas as canções, em diversas colaborações.

Curto e potente, Hello Happiness conecta os anos 1970 às pistas da atualidade e prova, mais uma vez, que a voz de Chaka é atemporal – para completar, ela aparece belíssima na capa, segurando um grande leque, com a clássica aura mítica de, desde sempre, uma diva.

Hello Happiness é sedutor e envolvente, com a voz de Chaka em primeiro plano, e um ótimo disco para apresentar a cantora a novos públicos. Além de feito para dançar e se divertir, o trabalho tem aquele frisson de acompanhar uma artista tão icônica, que poderia se contentar em viver de greatest hits, se aventurando em canções novas e cheias de poder.

Destaques: “Hello Happiness”, “Like Sugar” e “Like a Lady”

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ARTISTA: Chaka Khan

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