5pra1: Lulu Santos

Um resumo de uma carreira que, em mais de 40 anos, foi do pop ao soul, do rock à música eletrônica e entregou uma avalanche de hits

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Fotos: Divulgação / Antonio Guerreiro

A série 5pra1 apresenta e destrincha cinco discos que servem como primeiro mergulho na obra de um artista.

 

Se você viveu no Brasil em algum momento nos últimos 40 anos é bem provável que você conheça algum verso cantado ou assinado por Lulu Santos. O músico carioca é um caso raro no pop nacional que resistiu à passagem do tempo – nem tudo que ele lançou nesse tempo de carreira virou hit, porém ele tem um punhado de sucessos a cada década, fazendo parte da formação musical de diferentes gerações, desde os sucessos do pop rock nacional nos anos 1980 até o seu eletrosoul dos anos 2000. Tudo isso passando, é claro, por uma geração marcada pela abertura da Malhação, da Rede Globo, nos anos 1990.

Antes de estrear em disco em 1982, Lulu tem muitas histórias: aos 12 começou a tocar, na adolescência já formou suas primeiras bandas e, antes mesmo de terminar o colegial, fugiu de casa para percorrer o Brasil com um grupo de hippies. Explicando melhor: filho de um militar da aeronáutica, Lulu teria que seguir os passos do pai na carreira militar, por isso ele meteu o pé na estrada e saiu de casa de vez. Nos anos 1970, participou do grupo de rock progressivo Vímana, ao lado de nomes como Ritchie e Lobão. Além disso, tocou em outras bandas menores, fez frilas de músico e até fez as vezes de crítico musical na seminal revista Somtrês.

Tudo isso sedimentou uma carreira de sucesso nos anos 1980, definindo as bases do pop nacional e transformando Lulu em um artista versátil que conseguia transitar de forma segura entre diferentes gêneros, sempre com sucessos radiofônicos arrasa-quarteirão. Seus primeiros anos de trabalho já reúnem um portfólio de canções invejável: “Tempos Modernos”, “De Repente, Califórnia”, “Como uma Onda”, “Um Certo Alguém”, “Certas coisas”, entre outras. Essa máquina de hits é posta à prova em um momento simbólico: a apresentação de Lulu, aos 31 anos, no primeiro Rock in Rio, em 1985.

De lá pra cá, Lulu Santos se tornou um nome camaleônico: do pop rock às experimentações eletrônicas, das participações em programas de auditório à cadeira cativa de jurado do The Voice Brasil, dos seus amores discretos ao seu atual amor escancarado e entregue. Lulu virou uma voz de múltiplas gerações e, nessa eterna sensação de que o conhecemos, deixamos passar muitos “Lulus” ainda a serem descobertos. Em 2021, o DJ Zé Pedro me ligou um dia e disse “Lulu Santos irá fazer 40 anos, vamos fazer um disco que celebre a sua carreira?”. Essa ligação foi um ponto de partida para que eu mesmo mergulhasse de forma mais profunda na obra de Lulu, me aprofundando em seus discos com outros ouvidos, para além dos hits da rádio.

Nesse processo, eu e DJ Zé Pedro lançamos Futuro do Passado – As canções de Lulu Santos, com 14 músicas revisitadas por jovens artistas, como Duda Brack, Jennifer Souza, Bemti, Astralplane, entre outros. E desse processo todo, eu mesmo saí com outro olhar sobre a obra de Lulu. Compositor certeiro, com as manhas de quem sabe como ninguém criar uma canção que gruda nos nossos ouvidos, Lulu ainda tem muito a ser redescoberto, a ser entendido, a ser ouvido e reouvido. Por isso, nesse 5pra1 passo por 5 trabalhos fundamentais do artista, porém a ideia é que você vá para além dos singles e descubra a amplitude de cada trabalho aqui apresentado

Tempos Modernos (1982)

Tempos Modernos, disco de estreia de Lulu Santos, foi gravado em um estúdio na Zona Norte carioca, nas sobras de horários de Gilberto Gil. Quem conseguiu essa vaga foi o amigo de Lulu, Liminha, que havia sido baixista d’Os Mutantes e na época ainda estava começando no universo da produção musical. Lulu aproveitou essas horas de estúdio e lançou um disco que não chegou a vender horrores, mas ajudou a solidificar seu nome. O primeiro sucesso está em “De Repente, Califórnia”, composição sua que estava estourada na voz de Ricardo Graça Mello, por conta da trilha sonora do filme Menino do Rio, de Antônio Calmon (o filme saiu em janeiro de 82, o disco de Lulu sairia em setembro daquele ano). Lulu regravou a faixa em versão própria em seu disco de estreia.

Além disso, temos aqui a faixa-título, “Tempos Modernos”, que segue sendo uma das mais interessantes e complexas composições do artista (e do cancioneiro pop nacional) – e que na época chegou até mesmo a ganhar clipe do Fantástico. Tempos Modernos foi alicerçado por uma banda de estúdio de nomes fundamentais: os tecladistas Lincoln Olivetti e Mu Carvalho (A Cor do Som), Serginho (Roupa Nova), Robson Jorge no piano e o próprio Liminha no baixo em algumas canções. Tudo isso ajuda a construir uma sonoridade que se tornaria marcante e característica no pop brasileiro dos anos 1980.

Destaques: “Tempos modernos”, “Areias Escaldantes” e “De Leve”

 

O Ritmo do Momento (1983)

Toda essa fase inicial de Lulu Santos é formada por uma sequência de discos interessantes, porém a escolha por O Ritmo do Momento, que vem já no ano seguinte à estreia, tem um motivo: o segundo disco juntou a estética, a sonoridade e a lírica da forma amarrada (e pop) com que viemos a reconhecer Lulu dali em diante e, além disso, o consagrou de vez como um novo hitmaker. O casamento do rock com o funk e o soul fica mais evidente e as canções passeiam de forma sedutora entre temas como o romance, a paixão e o sexo. “Adivinha o Quê”, faixa de abertura, é um classicão definitivo já nessa versão, com guitarra forte, uma bateria bem marcada e um jogo de vozes que encarna a new wave – a censura proibiu a veiculação da música nas rádios, o que pode até ter ajudado a torná-la um sucesso ainda maior.

Embalado pelos hits estrondosos “Um Certo Alguém” e “Como Uma Onda” (uma das muitas parcerias de sucesso com Nelson Motta), O Ritmo do Momento vendeu o dobro em relação ao disco de estreia, dando a Lulu um disco de platina com a marca de 350 mil cópias vendidas. E a banda de estúdio de O Ritmo do Momento também foi formada por um time de peso: o baixista Marcelo Sussekind (Herva Doce), o baterista Ivan “Mamão” Conti (Azymuth), Leo Gandelman nos sopros e Jorjão Barreto no piano Fender Rhodes, um clássico da sonoridade anos 80.

Destaques: “Advinha o Quê”, “ Você Teima” e “Tudo”

 

Toda Forma de Amor (1988)

No final da década de 1980, Lulu já era um hitmaker consolidado e, com isso, seu orçamento no estúdio já era cada vez maior, o que ampliou sua liberdade criativa e ativou novas possibilidades sonoras. Toda Forma de Amor é um hit comercial, mas é também parte desses processos de pesquisa e experimentação de Lulu – seu sexto disco de estúdio é o primeiro que ele produz sozinho. A capa do disco é preta, apenas com o título e o nome do artista, mas a versão original teria o casal Barbie e Ken nus em foto negativa, porém foi censurada. Mas falemos da música.

O álbum abre com “Mojo”, uma interessante faixa instrumental, segue com a política e vibrante “Nova Ordem”, desaguando em “Cobra Criada”, canções que flertam com o ska e o reggae. Curiosamente, nesse disco temos uma faixa em inglês, “Riding a high”, e outra em curdo (!), “Ton Ton”. De todo modo, os grandes hits do disco estão na dupla “Toda Forma de Amor” e “A Cura”, que aparecem coladinhas uma na outra no repertório. “Toda Forma de Amor” é e sempre foi uma espécie de hino para os apaixonados, mas se tornou ainda mais simbólica depois que Lulu falou abertamente sobre a sua sexualidade; já “A Cura” é uma poderosa canção sobre a pandemia da AIDS, que acabou retornando de forma simbólica na pandemia de coronavírus –  segue sendo um hino de esperança. Redondinho, esse disco ainda fecha com a excelente “Futuro do Passado”, uma joia pop. Certamente, se você busca começar na discografia do Lulu por algum lugar, recomendo esse disco aqui.

Destaques: “Nova ordem”, “Cobra Criada” e “A Cura”

 

Eu e Memê, Memê e Eu (1995)

Há uma geração inteira que conhece Lulu Santos pela sonoridade desse disco e não é sem motivo: Eu e Memê, Memê e Eu vendeu mais de um milhão de cópias. O sucesso desse álbum se deve muito à parceria entre Lulu Santos e DJ Memê,  produtor do disco (a parceria dos dois começou no ano anterior, 1994, em Assim Caminha a Humanidade), que insere o cantor carioca em um universo de house music, eurodance e até funk carioca. São misturas bastante ousadas para um artista do tamanho do Lulu em 1995 e, talvez por isso mesmo, o disco segue tão fresco e tão moderno. Em tempos de resgate da música house dos anos 1990, Eu e Memê, Memê e Eu é um disco fundamental quando falamos da música brasileira desta década.

Lulu regrava aqui clássicos como “O Descobridor dos Setes Mares” (Tim Maia), “Se Você Pensa” (Roberto Carlos e Erasmo Carlos), “Fullgás” (Marina Lima), mistura com pérolas de seu repertório, como “Toda Forma de Amor” e “Assim Caminha a Humanidade”, e compõe tudo isso com vinhetas, interlúdios e outras firulas típicas dos discos de dance dessa época. Além disso, o disco vem com diferentes versões e remixes das mesmas canções, às vezes, os clássicos “jungle mix”, “extended mix” e tudo mais. “Fullgás” é surreal de boa nessa versão, com risos de Marina Lima e um saxofone maroto que entra ao fundo; “Toda Forma de Amor – Funky You Mix” é funk melody, trazendo o que era o funk carioca nos anos 90 (importante: DJ Memê seria o produtor da estreia do Claudinho e Buchecha, em 1996, no disco em que a dupla gravou “Tempos Modernos”); já “Assim Caminha a Humanidade (Extended 70s Mix)” é o suprassumo da música dance daquela década, é como ser transportado no tempo. Ouça esse na íntegra, na ordem certa, e se deixe transportar. PS.: a capa kitsch com os dois ursinhos divide opiniões, você ama ou odeia e é isso!

Destaques: “Se Você Pensa”, “Fullgás” e “Assim Caminha a Humanidade (Extended 70s Mix)”

 

Bugalu (2004)

Bugalu é o reencontro de Lulu Santos e DJ Memê já nos anos 2000 e, atentos ao tempo, esse disco é como um compilado de diferentes sonoridades do início do século. Funk, soul e pop rock se encontram com as produções eletrônicas, criando uma linguagem sonora muito forte que acabaria guiando a carreira do Lulu até os seus trabalhos mais atuais. Aqui, as experimentações não são tão ousadas quanto em Eu e Memê, Memê e Eu, mas ainda assim são sedutoras, modernas e envolventes.

E vamos ter alguns nomes de peso passando pelo disco: num flerte com os anos 1980, Lincoln Olivetti aparece tocando piano Fender Rhodes na ótima “Já É!”; já Marcos Valle fica responsável pelo piano Fender Rhodes e os teclados em “Língua Presa”, uma parceria dele com Lulu; e há ainda a participação de Pedro Mariano em “As Escolhas”. Bugalu é outro desses marcos geracionais e quem vivenciou os anos 2000, certamente vai ouvir essas canções e sentir aquela sensação de ser tele transportado para um universo muito específico que envolve computadores de tubo, estética Y2K e todo um charme meio comédia romântica da Globo Filmes, circa 2004. Apesar de um recorte estático de seu tempo, “Bugalu” envelheceu bem e segue como uma representação de um Lulu arrojado e ainda mais maduro, que sabe brincar com os gêneros e com as suas referências, em busca de algo moderno e sempre sedutor.

Destaques: “Já É!”, “Melô do Amor” e “Língua Presa”

 

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ARTISTA: Lulu Santos

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