5pra1: Willie Colón

Os destaques da discografia de um dos pioneiros da salsa – e figura emblemática da gravadora Fania Records

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Fotos: Reprodução

 

A série 5pra1 apresenta e destrincha cinco discos que servem como primeiro mergulho na obra de um artista.

 

 

O ano de 2025 mal começou e já deixou muito claro que um dos gêneros do momento é a salsa. Talvez por conta de lançamentos de efeito astronômico como DeBÍ TiRAR MáS FOTos, de Bad Bunny – que obteve um sucesso no Brasil que artistas hispanohablantes não alcançavam há anos –, talvez pela própria atmosfera política após a eleição de certo presidente que vem deportando latinos em massa dos Estados Unidos. A América Latina vive um momento marcante em muitos sentidos e, ao falarmos sobre as tantas expressões artísticas da latinoamericanidade, sem dúvidas, Porto Rico entra na discussão. Nesse 5pra1, destacamos a obra de um pioneiro da salsa – o trombonista, cantor, compositor e ativista político Willie Colón.

Mas a salsa é só um dos ingredientes dessa sopa de mondongo, já que Colón misturou jazz, R&B, boogaloo, chachacha, guajira, bolero e muitos outros temperos saborosos em suas composições. A escolha dos discos aqui envolveu dois critérios: primeiro, o impacto na carreira de Colón; e o segundo, a importância de um período específico da trajetório do músico e da própria expansão da salsa, isto é, entre os anos 1960 e 1980. Coincidentemente (ou não), todos os discos selecionados foram lançados pela Fania Records, gravadora fundada por Johnny Pacheco nos anos 1960 dedicada à difusão da música latina nos Estados Unidos.

Diretamente do South Bronx, numa conturbada Nova York dos anos 1950, William Anthony Colón Román foi o típico nuyorican – palavra que aglutina “Nova York” (ou “Nueva York”, em espanhol) e “Porto-riquenho”. Colón nasceu na ilha de Manhattan num lar porto-riquenho e mantinha íntima relação com suas raízes, especialmente a partir de visitas à casa de sua tia-avó em Manatí, no norte da ilha de Porto Rico. Ainda muito jovem, tomou gosto pelos instrumentos de sopro, passando do trompete ao trombone e gravando seu primeiro disco ainda aos 17 anos. Ao longo de sua carreira, o trombonista valorizou muito as colaborações e parcerias, de modo que quase todos os discos aqui selecionados envolveram outros grandes nomes da música latino-americana como Héctor Lavoe, Rubén Blades, Tito Puente e Celia Cruz. Ele inclusive criou vínculos com a música brasileira, gravando uma versão em espanhol de “O Que Será (Flor da Terra)”, de Chico Buarque, intitulada “Oh Qué Será?”, entre outras. Willie é dono de uma obra verdadeiramente pan-americana – unindo povos, culturas e tradições em canções que, entre outras características, clamam por uma América Latina livre e unida.

The Hustler (1968)

O segundo álbum de estúdio de Willie Colón chega embalado pela belíssima faixa-título – totalmente instrumental, colocando os holofotes todos em poderosos solos de trombone. Outro destaque é a participação de outra preciosidade boricua, Héctor Lavoe, conhecido como “El Cantante de Los Cantantes”, em três faixas do disco. “Qué Lío” é uma delas e representa outro gênero caribenho bastante presente no repertório do trombonista, o chachacha, ritmo cubano mais lento, minimalista, mas carregado de sensualidade, intensidade e paixão, com uma presença demarcada do güiro. Retrata-se aqui uma desilusão amorosa, na qual o eu lírico performado por Lavoe não tem a paixão por Mariana correspondida, por ela já estar comprometida com seu amigo. Na mesma toada, temos a clássica “Havana”, relato passional e ardente sobre a capital cubana.

A capa e o título do disco fazem referência ao filme The Hustler (1961) (Desafio à Corrupção, na tradução) que traz Paul Newman estrelando um rapaz bem-sucedido em partidas de bilhar. No entanto, ela alude a uma estética mafiosa bastante adotada por Colón ao longo de sua carreira, estabelecendo-se como uma espécie de “criminoso do som”. Por um lado, porque algumas de suas canções tratam da violência e criminalidade na cidade de Nova York e, por outro, pelo seu ativismo em denunciar a hipocrisia estadunidense e as intervenções imperialistas que aconteciam na América Latina àquela época. Por último, temos a apocalíptica “Se Acaba Este Mundo”, que aborda o fim dos tempos da forma mais espiritualmente elevada e alegre possível, demonstrando uma ironia contrastante entre letra e instrumental.

Destaques: “Qué Lío”, “Se Acaba Este Mundo”, “Havana”

 

Lo Mato (Si No Compra Este LP) (1973)

Entre os discos aqui mencionados, esse é o mais melancólico e sombrio. Além do título e capa simulando um sequestro com refém, canções como “Todo Tiene Su Final” falam sobre a inevitabilidade do fim de tudo, mais uma vez na incomparável voz de Héctor Lavoe.

Já “El Día de Mi Suerte” parte para um caminho autobiográfico, com Lavoe lamentando a morte de seus pais quando ele tinha apenas 10 anos de idade.  Lavoe, que nasceu em Ponce, tinha uma fama de bad boy provavelmente decorrente de uma vida muito difícil, repleta de desafios e perdas que se estenderam por toda a sua vida. Nesse sentido, há uma esperança de que sua sorte eventualmente mudará, com o refrão dizendo “Pronto llegará / El día de mi suerte / Sé que antes de mi muerte / Seguro que mi suerte cambiará” (“Logo chegará / O meu dia de sorte / Sei que antes da minha morte / Seguramente minha sorte irá muda”r). A batida envolvente esconde a verdadeira amargura e tristeza dos versos dessa belíssima faixa. Por fim, em “Guajira Ven” temos um belíssimo exemplo da tradição cubana de guajiras, gênero caribenho bastante popular, enquanto os versos celebram um convite ao deleite e ao simples ato de desfrutar em meio à natureza.

Destaques: “Todo Tiene Su Final”, “El Día De Mi Suerte”, “Guajira Ven”

 

Only They Could Have Made This Album (1977)

Colaborações pan-americanas, como já vimos, são comuns na trajetória de Colón. Only They Could Have Made This Album começa com um clássico eternizado na voz da célebre cantora cubana Celia Cruz – mas que, na verdade, é em parte uma tradução da composição brasileira “Você Abusou”, lançada pelos soteropolitanos Antonio Carlos e Jocáfi no disco Mudei de Ideia (1971). No entanto, além do refrão, os versos foram interpolados para manter uma métrica das rimas e um significado que fizesse sentido em espanhol. Celia Cruz recebeu a alcunha de “Rainha da Salsa” e é um símbolo incontestável da cultura afro-latino-americana. Ela, muitas vezes, inicia uma canção exclamando “açúcar!”, expressão que marca sua personalidade e dá início à diversão de forma carnavalesca.

“Pun Pun Catalú” é uma ode à cultura caribenha e ao merengue e suas raízes africanas, mais especificamente vindas da atual Angola para o continente americano por conta das rotas transatlânticas do tráfico negreiro. Aqui, são referenciados especificamente três países: Borinquen, o nome indígena para a ilha de Porto Rico que dá origem ao termo boricua para se referir aos porto-riquenhos; Quisqueya, nome de origem taína usado para se referir à República Dominicana; e Cuba, terra natal de Celia Cruz. Por fim, “Dulce Habanera” mistura salsa, rumba e habanera, além de fazer uma belíssima homenagem a todas as mulheres latinas do mundo, citando vários, senão todos os países da América Latina.

Destaques: “Usted Abusó”, “Pun Pun Catalú”, “Dulce Habanera”

 

Siembra (1978)

Um dos discos mais emblemáticos não apenas de Willie Colón ou de Rubén Blades – importante nome da salsa e que foi Ministro da Cultura do Panamá –, mas um marco na história da salsa enquanto gênero. Segundo lançamento da dupla pela Fania Records, as milhões de cópias vendidas à época demonstram que era possível abraçar um lado menos convencional da salsa. Letras sobre amor e exaltação da alegria de viver dão lugar a versos ácidos, repletos de denúncia política de tom bastante explícito. Retrata-se uma realidade social de pobreza e violência, temas pouco comuns ao gênero. Em canções como “Plástico” fala-se sobre uma sociedade de plástico, em que pessoas vivem de aparências e status – especialmente nos Estados Unidos. A introdução é uma clara referência à disco music, que explodia naquela época, com elegantes linhas de baixo e muito groove.

“Pedro Navaja” fala sobre a realidade de um bairro pobre em Lower Manhattan nos anos 1970 atavés do personagem cujo sobrenome quer dizer “navalha” em espanhol – há paralelos dentro da cultura brasileira com essa história, como a de Maria Navalha, por exemplo. Navaja representa um arquétipo recorrente na discografia de Colón, que é a figura do malandro, do mafioso, do criminoso que conhece e domina as ruas de uma cidade traiçoeira tal qual Nova York. O protagonista é morto por uma mulher após tentar esfaqueá-la – e, ao que parece, ela era uma prostituta que andava armada com um revólver calibre 38. Ao som de congas e instrumentos de sopro, ouvimos sirenes de carros de polícia passando em alta velocidade, além de um trecho de anúncio de rádio ao final, anunciando o assassinato de duas pessoas.

Já a faixa-título tem um tom mais esperançoso e profético, exaltando a possibilidade de plantar para poder colher. Também se associa à metáfora do plantio o ato de ter consciência e inteligência, reportando especificamente aos seus hermanos latinos ao longo dos versos.

Destaques: “Plástico”, “Pedro Navaja”, “Siembra”

 

Tiempo Pa’ Matar (1983)

O último disco de Colón pela Fania Records é o seu grande destaque da década de 1980. Além disso, é o único álbum da lista sem colaborações explícitas, servindo como exemplo de seus projetos individuais. A sonoridade se transforma consideravelmente em relação aos outros discos, apostando em canções mais lentas, belos solos de piano, forte presença da flauta e instrumentação de salsa clássica. Outros gêneros também permeiam o disco, como guaguancó, bolero e plena.

“Gitana”, como o próprio título sugere, evoca elementos da música cigana e do flamenco, mas com temperos de jazz e salsa. Os versos são profundamente carnais e apaixonados, nos fazendo imaginar os vistosos cabelos longos e o rosto angelical de uma jovem cigana que arrebatou o coração do eu lírico. Outra faixa interessantíssima é “Noche de Enmascarados”, uma releitura de “Noite de Mascarados” lançada por Chico Buarque no disco Chico Buarque de Holanda vol. 2 (1967). Colón convida a cantora Graciela Carriquí para um dueto.

Com marcantes linhas de baixo e referências ao funk dos Estados Unidos, a faixa-título é uma canção de protesto contra a Guerra do Vietnã. Colón fala nos versos sobre algumas das mazelas perpetuadas pelas incessantes guerras patrocinadas pelo governo estadunidense, citando o machismo, o anticomunismo e o racismo, afirmando que os jovens “saem como nobres soldados, voltam azedos e mutilados”. Ao mesmo tempo, o autor cita exemplos de como a vida nos Estados Unidos parecia não ter muitas opções para o trabalhador médio: trabalhar, estar preso, usar drogas para anestesiar a mente, morrer ou se alistar para o exército. De um lado, uma vida de miséria e depressão; do outro, um trauma de guerra incontornável e certo.

Destaques: “Gitana”, “Tiempo Pa’ Matar”, “Noche de Enmascarados”

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ARTISTA: Willie Colón

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