A. A. Bondy atravessa o espelho

Oito anos depois de seu último disco, o norte-americano volta com “Enderness” e fala ao Monkeybuzz sobre este LP que é um resumo de sua perspectiva de mundo transformada pelo radical hiato que perpassou

Loading

Fotos: Divulgação

Se você for agora até o “sobre” de A. A. Bondy no Spotify, vai encontrar um dos poucos textos que ele escreveu dedicados a explicar o cenário em que surge Enderness (2019), seu primeiro disco em oito anos. “Em 2012, eu desisti da música e me juntei a um clube de surfistas e MDMA em Los Angeles” diz no excerto. Falando comigo por telefone, ele escolheu ressaltar outras drogas: “usávamos cogumelos, ficávamos dançando”, relembrou a respeito da época. O texto segue: “anos se passaram, pessoas morreram. Eu bebi muito e comecei a meditar. (…) Em outubro de 2016, depois de ficar muito tempo à beira-mar em Oxnard, na Califórnia, alguma coisa aconteceu e eu voltei a escrever minhas músicas.”

Até hoje, ele ainda não sabe descrever o que foi essa “alguma coisa” que o fez voltar a compor. “Morando em uma comunidade na parte mais suja de Los Angeles, comecei a caminhar e a me inspirar. Isso foi há um ano e meio, mais ou menos. Trabalhava em novas músicas de vez em quando e depois parava, dava um tempo. Quando eu vi que elas estavam se encaminhando para um álbum, aí sim, parei tudo e decidi terminá-lo”, remontou sem entrar em detalhes. No entanto, quem ouve Enderness e sabe da trajetória de A. A. Bondy é capaz de supor que algo abissalmente importante aconteceu.

“Tudo podia me guiar para uma ou outra direção, era muito intuitivo. Se parecia a coisa certa a fazer, eu só ia lá e gravava.”

Isso porque, sua carreira começou na década de 1990, ao lado de uma banda chamada Verbena. A sua situação na época é comparada por ele a de um bebê preso no berço cercado por morcegos ameaçadores batendo suas asas. Seu desejo era o de dedicar-se ao folk mais clássico e assim o fez ao deixar seu nome de batismo (Scott Bondy) para trás e dar o início ao seu voo solo. A investida o projetou para o mundo com a imagem (de certa forma, estereotipada) do artista que empunha um violão, assopra uma gaita e, acompanhado somente por elas, entoa suas canções estrada afora.

Curiosamente, em Enderness, a melancolia continua, mas o apego ao analógico se desfaz. E esse argumento instrumental parece ser a maneira que o músico encontrou de dizer que sua vida mudou, suas prioridades são outras, mas que isso só aconteceu porque ele desistiu do pouco otimismo que ainda tinha. Em seu novo disco, entram em cena sintetizadores e drum machines, mas, ao invés de sinalizar um retorno ao seu tempo de Verbena, esses elementos, na verdade, ajudam a ressaltar o seu desajuste frente ao mundo que é obrigado a encarar todos os dias. “Não sei dizer como o disco saiu com essa cara”, indaga. “Quer dizer… Sei lá, tem a ver com os filmes que eu curto, também com as pessoas ao meu redor. Tudo podia me guiar para uma ou outra direção, era muito intuitivo. Se parecia a coisa certa a fazer, eu só ia lá e gravava.”

É fácil imaginar Bondy como um desses personagens de produções cinematográficas norte-americanas meio faroeste. Enquanto ele falava comigo com sua voz baixa, mas assertiva, e em frases curtas, brinquei de imaginá-lo do outro lado do telefone, no balcão de um bar com um copo de uísque na mão e um cigarro aceso na outra… “Acho que é mais um compilado de contos, ou qualquer obra de ficção, mas não uma fotografia”, filosofava durante a ligação sobre seu disco. “É para ser como um livro. Você o lê hoje e ele continua fazendo sentido daqui muitos anos.” É evidente que sua sonoridade está completamente diferente e os temas abordados em suas letras mais contemporâneos (talvez, por isso mesmo, mais trágicos). Contudo, de alguma maneira, o que há de essencial da personalidade deste artista permanece. Ele ainda segue a linha dos poetas desapaixonados, dos amantes frustrados, dos cantores que, como musas, têm apenas as imposições do caos. E, ao que indica sua persona, parece satisfeito assim.

Loading

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.