A bossa nova segundo Laufey

Prestes a lançar “Bewitched”, seu segundo álbum, a artista sino-islandesa quer misturar sons de ontem e de hoje; “antes, você tinha que se conformar com um só estilo – e eu não vou me conformar com nada”

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Fotos: Gemma Warren

Quem vê Laufey Lín Jónsdottír, ou apenas Laufey, em um de seus videoclipes pode até pensar que o trabalho da cantora flerta com o anacronismo, já que o que escutamos e vemos parece se comunicar mais com o que foi feito em um passado já distante do que com a produção atual. Uma conversa com a artista sino-islandesa de 24 anos, entretanto, revela que sua maneira de pensar – e de trabalhar – é indissociável do mundo contemporâneo.

“Eu, assim como muitas pessoas, romantizo épocas passadas, mas gosto de ser cria desta geração”, explica a cantora e compositora. “Amo redes sociais, meu celular e poder produzir músicas com facilidade. Amo ser mulher nesta era, em comparação a como era no passado. É um bom momento para se estar viva e eu não queria viver outra época. Mas, é verdade, eu amo a música e o estilo de antigamente”. E ela abraçou a “missão” de mostrar às novas gerações o que as estéticas de décadas atrás têm de melhor. “Em 2023, eu posso misturar bossa nova, jazz, música clássica e pop do jeito que eu quiser. E isso é novo. Antes, você tinha que se conformar com um só estilo, e eu não vou me conformar com nada”.

Nascida em Reykjavik, de pai islandês e mãe chinesa (uma violinista de música clássica), Laufey cresceu entre diferentes culturas e morou também nos Estados Unidos na infância. “Tive o privilégio de ver muito do mundo, Por isso, componho muito sobre como as pessoas se comunicam umas com as outras. Perceber que há tanta gente ao redor do globo vivendo de formas diferentes foi muito formativo para mim. Por crescer em meio a tantas culturas, a música sempre foi uma espécie de retiro para mim, a língua que todos entendiam – é um clichê, mas é verdade. Acho que ter uma visão internacional é uma questão integral à minha vivência como artista”.

“Assim como muitas pessoas, romantizo épocas passadas, mas gosto de ser cria desta geração. Amo redes sociais, meu celular e produzir músicas com facilidade. Amo ser mulher nesta era, em comparação ao passado. É um bom momento para se estar viva e não queria viver outra época. Mas eu amo a música e o estilo de antigamente”

É natural, portanto, seu apreço pela música brasileira, o que é evidente para quem escuta tanto seu primeiro álbum, Everything I Know About Love (2022), quanto o mais recente, Bewitched (programado para essa sexta-feira, 8 de setembro). “Meu pai sempre escutou bossa nova em casa quando eu era criança, mas eu nem sabia o que era”, explica. “Sabia que era do Brasil, mas, para mim, era só o tipo de som que tocava à noite em casa, principalmente quando tínhamos visita. Quando comecei a estudar jazz, nos mostravam os diferentes estilos dentro do gênero – uma semana era de baladas, outra tinha swing e, depois, bossa nova, que virou minha favorita. Então, fui aprender mais sobre o estilo como uma sonoridade própria, o que me levou aos mestres, como Tom Jobim e João Gilberto”.

“Astrud Gilberto mudou meu jeito de cantar”

“Astrud Gilberto mudou meu jeito de cantar”, afirma Laufey. “Quando comecei, eu cantava com como um violoncelo, que é o instrumento que eu estudei na infância, e escutava muito Ella Fitzgerald. Tudo era vibrato ou legato, tudo era muito dramático. E aí, escutei Astrud cantar e era tão refinado e, ao mesmo tempo, tão simples, conseguindo dizer tudo o que as vozes mais volumosas comunicavam. Com isso, aprendi a arte de conter a minha voz”.

Beach Samba (1966) é apontado pela islandesa como seu favorito de Astrud Gilberto, porque “há algumas músicas mais divertidas, com timbres de piano que parecem de brinquedo”. “Eu fico apaixonada com esse estilo”. Sobre o restante do cancioneiro da bossa nova, Laufey diz ficar encantada com as letras – “as traduções são tão bonitas” – e com as possibilidades de arranjos para acompanhar a voz. “Mesmo ‘Corcovado’ ou ‘Garota de Ipanema’, que foram as primeira que eu aprendi, têm muitas possibilidades criativas”.

“No início, era uma luta entender como me manter coesa, porque algumas músicas são mais jazz, outras são mais pop, e eu não sabia qual era o denominador comum. Até que, enfim, entendi que era eu. É a mesma voz e a mesma mente. A única maneira de manter minha arte consistente e honesta é focá-la em mim”

“Quero sempre que meu público saiba de onde vem esse som, qual cultura é essa, por isso, sempre compartilho minhas músicas favoritas nas redes sociais e nas minhas playlists do Spotify. Tudo isso faz parte da minha missão de trazer o jazz para o público de hoje, e bossa nova fala bem alto com a Geração Z, porque o ritmo ali é muito familiar para muita gente. Dentro dos guias do jazz, é o tipo de música mais acessível para as novas gerações. Muito do Lo-Fi hip hop usa samples de bossa nova, então, mesmo inconscientemente, se torna um estilo palatável para o público de música pop, ou para quem não é entendido de jazz”.

Mais do que apenas desenvolver suas composições esteticamente, Laufey faz questão que suas letras comuniquem sua visão de mundo. “Eu sempre fui uma pessoa muito honesta, então tudo o que eu coloco no mundo precisa ser 100% eu ou eu não me sinto bem”, conta ela. “No que eu falo também quero ser sincera, e faço muita piada comigo mesma. Acho que tudo isso se reflete também nas minhas composições”.

“No início, era uma luta entender como me manter coesa, porque algumas das músicas são mais jazz, outras são mais pop, e eu não sabia qual era o denominador comum entre elas. Até que, enfim, entendi que era eu. É a mesma voz e a mesma mente que fizeram todas as composições. A única maneira de manter minha arte consistente e honesta é focá-la em mim”.

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ARTISTA: Laufey

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.