A carreira brilhante e barulhenta de Nine Inch Nails

Dê um passeio pela carreira de uma das bandas mais importantes e influentes das últimas décadas e que está às portas de lançar seu oitavo disco

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O final dos anos 80 se provou um período muito frutífero para a Música Underground, não só com o Indie Rock, Noise Rock, Shoegaze e Grunge que ganhariam espaço entre os fãs de música, mas também com um gênero que ganhava cada mais vez mais força durante as décadas passadas, porém que precisava de uma espécie de embaixador para leva-lo ao mainstream, ou pelo menos tira-lo da obscuridade do meio underground. O nome desse embaixador é seu Trent Reznor, que, com seu Nine Inch Nails (ou NIN), elevou o Industrial Rock à sensação musical no começo dos anos 90 e não por acaso foi eleito por diversas publicações (tantos as da época, quanto as mais recentes) como um dos projetos mais influentes da década.

Às vésperas de lançar seu o oitavo disco, Hesitation Marks (que você já pode ouvir em streaming), em uma carreira que já dura duas décadas e meia, esta é a hora perfeita para recordar a brilhante trajetória de Reznor e seu projeto.

Ainda que o projeto tenha cara e funcione ao vivo como uma banda, seu único membro fixo é Reznor e isso desde os primórdios do NIN, em 1988, quando o músico gravou as demos (posteriormente nomeadas como Purest Feeling) do que se tornariam seu primeiro álbum, Pretty Hate Machine, debutando no ano seguinte. Se nesses primeiros registros a abrasividade que se vê hoje em dia não estava tão presente, o restante das características da sonoridade típica do Nine Inch Nails já se encontravam presentes nesse embrião. Gravado de forma independente, Trent o fez ao estilo “Prince” de produção, gravando por si mesmo todos os instrumentos (exceto a bateria).

NIN

Já no ano seguinte, aconteceria um dos maiores fenômenos da música alternativa registrados até então. O ruidoso e agressivo Pretty Hate Machine se tornaria o primeiro álbum independente a ganhar “um triplo disco de platina” (superando a marca de tês milhão de cópias vendidas e isso só nos Estados Unidos), se tornando um ótimo cartão de visita à Reznor que no ano seguinte sairia em uma grande turnê pelos EUA e em 1991 tocaria pela primeira vez no Lollapalooza.

Faixas como Head Like a Hole (principal single do debut da banda), Down In It e Sin (também singles deste álbum), mostravam a ótima mistura que caracterizou os primeiros anos do grupo. Ainda que com sua característica aspereza, o álbum guarda muito da aura dançante e mesmo a acessibilidade do Synthpop, Electrorock e até mesmo o New Wave, que dominaram aquele começo de década. E ele se tornou interessante, exatamente por essa mistura inusitada ao reagir essas sonoridades mais brandas com a brutalidade do Industrial. As letras cheias de angustia juvenil de Trent eram o ingrediente que faltava para aquela mistura se tornar altamente explosiva e tão envolvente.

Não diria que foi sorte, mas a sonoridade proposta por Reznor no NIN surgiu em uma época perfeita, uma época em que o Rock voltava a mostrar certa brutalidade. Ao contrário do que acontecera com Hair Metal, New Wave e até mesmo o Synthpop/rock (que tem grande influência na mistura do Nine Inch Nails) durante aos anos 80, o fim dessa década foi marcada pelo ultimo suspiro do Hard Rock com Guns N’ Roses e surgimento do Grunge em Seattle. Época em que produzir sonoridades como esta voltou a ser vista com bons olhos e, mais que isso, se tornou necessária para o Rock voltar aos holofotes depois quase 10 anos em segundo plano.

O próximo golpe de Reznor seria ainda pesado. O EP Broken, lançado em 1992, trouxe menos das características do Synthpop e mergulhou de cabeça em vertentes como Noise Rock e o Metal Alternativo. Uma verdadeira porrada sonora, que mais tarde viria a se tornar a sonoridade reproduzida por Marilyn Manson em seu Portrait of an American Family (1994), produzido por ninguém menos que o próprio Trent Reznor.

Uma vez consolidado com um dos grandes nomes da música contemporânea, Reznor se desafiou ainda mais, e já no seu segundo álbum mergulhou em álbum conceitual e profundamente ligado o niilismo e as obras de conflito existencial de Friedrich Nietzsche, em que o músico detalha em suas letras a ruína de um homem, encarando temas como drogas, sexo, sociedade, religião e suicídio. The Downward Spiral (1995) contrasta com Pretty Hate Machine não só pela sua orientação lírica, mas também pela sonoridade carregada mais uma vez como muito peso e sujeira característicos do EP lançado três anos atrás.

Esse conceito soturno foi explorado ao máximo pelo músico que para mergulhar de vez nesta ambientação lúgubre alugou a casa em que uma atriz fora assassinada por um dos membros da seita de Charles Manson e o transformou em um estúdio, batizado como “Le Pig”, Bizarro, não? Esquisitices a parte, esse foi o álbum de maior sucesso do Nine Inch Nails, sendo certificado com o “quádruplo disco de platina” (sim, mais de 4 milhões de copias, contando somente as vendas nos EUA).

Entre suas faixas estão ótimos singles, como March of the Pigs, Closer e Piggy, mas é Hurt (última delas a ser lançado como tal) que chama mais atenção. A canção que encerra este álbum quase como uma carta de suicídio foi regravada anos mais tarde por Johnny Cash e imortalizada em sua voz, como a ultima gravação feita por ele antes de morrer. Sinceramente, essa é uma das músicas mais deprimentes e paradoxalmente mais belas que já ouvi.

Mais quatro anos se passariam até que outro álbum do NIN estivesse pronto, período em que Reznor trabalhou em algumas trilhas sonoras e se recompôs da extenuante gravação de The Downward Spiral. Se naquele álbum o músico se despiu ao máximo e foi ao ponto mais fundo que poderia chegar, em seu novo álbum não haveria outro caminho que não o oposto ao que caminhara até então. Não que The Fragile (1999) seja um disco que fuja de tudo que a banda tivera feito até então, mas ele explora temas mais pessoais (e não tão brutais como em Downward), além de trazer novos elementos sonoros a paleta sonora originalmente proposta pelo Nine Inch Nails.

Com traços do Art Rock, Ambient Noise e até mesmo Música Clássica, o habitual Industrial Rock da banda ganhou ambientações mais brandas, por mais a robustez das faixas continuassem quase intactas. A presença do piano é o que chama mais a atenção neste álbum, aparecendo em diversas faixas e rendeu na época comparações como compositores como Claude Debussy em algumas publicações feitas na época de seu lançamento.

Apesar de este não ter sido tão bem sucedido comercialmente, como seu antecessor, ele garantiu que a banda figurasse um bom tempo no topo das paradas e por ser um disco mais brando conseguiu levar às rádios vários de seus singles. Mas vale a pena lembra que a Internet já começava a ser tornar uma pedra no sapato da Indústria Musical na época, então o “baixo” desempenho nas prateleiras em parte pode ser justificado por esse fator.

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Os próximos anos não seriam fáceis para Reznor que antes de lançar seu quarto álbum com o NIN teria de enfrentar seus problemas com alcoolismo, drogas, depressão e um bloqueio criativo. Isso justifica a demora de quase seis anos entre os dois álbuns e With Teeth saiu em 2005 como um dos bons álbuns do ano e foi saudado pelos fãs de longa data como um disco que voltava às raízes da banda.

Quanto à temática, Trent usou como inspiração tudo o que passou durante a reabilitação para gerar novo combustível ao seu álbum, desenvolvendo uma espécie de história onde o protagonista era ele mesmo. Mais uma mudança é o teor mais analógico da obra, ainda que mantenha aquela cara pesada e agressiva de sempre, os efeitos escolhidos para esta obra parecem ser mais “naturais” que de álbuns anteriores, gerando um resultado mais orgânico, mesmo se tratando de uma música altamente sintetizada.

Mas não foram só as próprias lutas de Reznor que geraram conteúdo para este álbum. O músico saiu de sua “zona de conforto” (os temas introspectivos) e abordou em With Teeth, parte da cultura do terror, gerada a partir do 11 de setembro, na faixa The Hand That Feeds. Posteriormente esse teor de protesto tematizaria o disco Year Zero, lançado dali a dois anos. Nele, o músico critica o governo norte-americano usando uma série de personagens fictícios.

Mais um álbum conceitual, mais um disco envolto pela aura de grandiosidade empregada por Trent em seus lançamentos. Apresentando sua visão distópica do que seria o mundo em 2022, o álbum era só mais uma parte de uma série de conteúdos relacionados ao projeto também nomeado como Year Zero. Vídeos (negociados desde então para virar uma série da HBO, porém mais nenhuma noticia foi dada desde novembro de 2012 e essa informação não foi nada animadora, dizendo que o projeto está em “hold”), video games, mensagens telefônicas e remixes complementariam esse material, que naquele ano levaria o grupo a se desvencilhar de sua gravadora de longa data, a Interscope.

Ainda que tenha basicamente a mesma sonoridade de seus lançamentos anteriores, ele se diferencia do seu antecessor quase como se fosse seu oposto. Apostando em diversos elementos eletrônicos, ele surge quase como um disco mecanizado. A parte lírica aqui é um caso a parte, sendo muito bem amarrada pelas letras que contam uma história fictícia de como o governo norte-americano se reconstruiu em um estado fundamentalista após uma série de ataques terroristas.

2008 seria marcado pelo ano em que muitos fãs iriam a loucura e receberiam dois álbuns (muita coisa para uma banda que tem um discografia tão esparsa quanto o NIN), e o melhor, de forma gratuita. Um ano após a saída de sua antiga gravadora, Reznor decidiu liberar de forma gratuita o disco instrumental Ghosts I–IV e também The Slip – neste segundo Trent gentilmente deixando a mensagem “this one’s on me”.

No geral The Slip também foi muito bem aceito por crítica e público, rendendo comparações com suas antigas encarnações, principalmente na vibe dançante de Pretty Hate Machine, na densidade de The Downward Spiral e na aura atmosférica de The Fragile. E em muitos pontos essas contraposições entre obras eram feitas principalmente com o debut, comparando faixas como Head Like a Hole e Discipline, como se de alguma forma a segunda fosse um eco mais maduro de um dos primeiros singles do NIN.

Se em 2008 tudo estava maravilhoso para os fãs, o seguinte não seria tão bom assim, com o anúncio de Reznor sobre o hiato de tempo indeterminado. Uma turnê de despedida se estendeu até setembro daquele ano e desde então o músico se dedicou aos seus outros projetos, entre eles diversas trilhas sonoras, aparições em filmes (Sound City, dirigido por Dave Grohl) e álbuns (…Like Clockwork, do Queens of The Stone Age) e seu projeto How To Destroy Angels (com o EP An omen_ EP e álbum Welcome to Oblvion).

Cinco anos depois de The Slip, Reznor voltaria a atividade com o Nine Inch Nails e você provavelmente deve ter acompanhado todo o frisson gerado desde as primeiras notícias do remembramento da banda no ano passado.

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“Wave goodbye, wish me well/I’ve become something else” e “I am not who I used to be”. Esses são uma dos versos mais marcantes e que melhor conseguem sintetizar Hesitation Marks. Mesmo contendo vários traços já tão comuns na musicalidade proposta pelo NIN, ele traz também um Trent Reznor mais maduro e que aqui parece não tentar se repetir. Com menos traços do Industrial, o disco cresce com a presença do Electropop e Synthrock, apresentando facetas pouco exploradas nesses 25 anos de carreira.

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MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts