A estrada onírica de Jovem Palerosi

Com exclusividade para o Monkeybuzz, produtor paulistano lança o EP “Layer 53” e conta como as andanças pelo mundo servem de inspiração para suas composições

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Fotos: Haxatag

Três anos após o lançamento de Ziyou, o produtor paulistano Jovem Palerosi está de volta com seu novo registro, o EP Layer 53, que segue a tradição de suas outras obras: a de se inspirar profundamente em suas andanças pelo mundo. Agora, trancado dentro de casa por conta do surto de COVID-19, o músico conversou com o Monkeybuzz sobre o lançamento, relembrou sua trajetória e ainda traçou alguns planos para o futuro. E, com exclusividade, apresentou a nova obra, que estreia somente amanhã (19/06) nas plataformas de streaming.

Nossa breve viagem começa em outro lugar no tempo e espaço: o ano é 2013, o lugar é a cidade São Carlos. Foi lá, durante seus anos na faculdade, que surgiu não só esse projeto de música eletrônica, como também o grupo Meneio. “Eu tava compondo algumas músicas, mas não tinha tanto a ver com o que estava produzindo de eletrônico, às vezes tocava guitarra numa base eletrônica, mas aí percebia que não era exatamente uma música de banda e que o instrumento tinha uma outra conotação nisso”.

Apesar de quase siameses, os projetos tomam direções bastante diferentes, mas, ainda assim, são muito simbióticos. “As coisas são vivas. É legal que um projeto influencie o outro. Eu percebia que quando produzia, ficava um tempão focado nas minhas músicas, isso abria uma janelinha na hora de trabalhar com a banda, tinha mais possibilidades. Fazer show com a banda abria uma janelinha na hora de compor minhas coisas solo. Nunca foi conflitante”.

Agora, voltemos ao passado recente: o ano é 2019, a cidade é São Paulo. Jovem vai os estúdios Monkeybuzz para gravar uma Dip Recordings. Note que a faixa que abre a live é “Layer 53”. Ouça com atenção também a terceira música deste registro ao vivo, “Kamancheh”, voltaremos nela mais tarde.

Jovem Palerosi em camadas

“Esse nome, ‘Layer 53’, tá me perseguindo já faz um tempo e na época precisava dar um nome pra faixa, né? Quando você tá tocando ao vivo não precisava, mas quando você grava tem que colocar um título”. A música que abre a Dip, também abre o EP, agora rebatizada como ‘Estrada Onírica’. “Eu gosto dessa coisa ligada a sonho, ligado ao universo surrealista de certa forma. O Adeniran [Balthazar], baixista da Meneio, tem um livro de poemas [chamado ‘Imagos’] e eu sampleie o nome de lá, na verdade era ‘Asfalto Onírico’, mas eu tive a licença poética de mudar. Até porque achei que tinha muito a ver com a ideia do disco todo, que é de movimento, inspirado por viagens”.

“O lance de camada, de layer, tava muito presente. Trabalhando com música tem muita camada, comecei também a fazer muita coisa com vídeo de um tempo pra cá e a mexer com muitas mais layers. Conversando com uma amiga, ela usava esse termo para dizer ‘isso é uma outra pegada, é uma outra layer’, tá ligado? Ficou mais claro que eu deveria usar esse nome, mas só ‘Layer’ seria muito abstrato e, já que é pra ser abstrato, coloquei o 53, que é o número do meu apartamento. Entrei numas do espaço-tempo: esse disco meio que é sobre a estrada, mas foi concebido aqui e eu gosto de me remeter a isso, ainda mais nesse tempo que estou me mudando, então ficou de certa forma uma homenagem ao lugar e período em que nasceram essas músicas”.

“Talvez a influência seja dos lugares, mas não só dos lugares. Ela vem de como você vai se redescobrindo nesses lugares. Para as minhas músicas, eu prefiro pegar essas experiências pessoais e transformar em algo, como foi na Bolívia, na China também foi assim”

A faixa “Sindhu”, incluída no EP, aparece na Dip como “Kamancheh”, nome do instrumento utilizado por Jovem. Tipicamente iraniano, o quase milenar instrumento também é usado em diversos países do Oriente Médio e inspirou a criação europeia do violino. A sonoridade e as cordas tocadas com um arco e propagadas por uma caixa de ressonância criam algo que remete àquela região. “Além do óbvio de se apaixonar pela cultura de cada lugar, estar na estrada para mim é muito foda, mesmo quando é a lazer, acaba não sendo (…) Não é uma coisa preconcebida. Às vezes eu me encontro nessa experiência de estrada, de deslocamento”.

Outro ponto de parada nessa viagem é o Salar de Uyuni, localizado na Bolívia, que gerou não só a faixa “Uyuni a Las 11” como também um clipe para a música. “Essa ida à Bolívia foi uma viagem de ano novo, não tinha pretensão de virar alguma coisa, mas as imagens que têm no clipe, sample que tem na música, as ideias, tudo isso surgiu lá (…) Esse sample foi gravado lá em Potosí, que é como se fosse ‘a Ouro Preto da Bolívia’, um lugar onde os espanhóis fizeram um genocídio indígena e roubaram toda a prata, mas a cidade tem uma energia muito foda, é muito bonita. É um paradoxo muito louco. O áudio é de uma vendedora falando que o transporte pra Uyuni sairia em pouco tempo, às 11h. Eu gosto disso, de pescar uma coisa mais pessoal”.

O vídeo, editado a partir de diversas imagens captadas durante essa viagem, refletem um pouco da beleza do lugar e mostram mais um pouco desse modo bem pessoal – e quase artesanal – com o que o músico cria suas faixas por meio de suas experiências coletadas nesses lugares. Jovem ainda conta que mais dois clipes estão sendo produzidos por colaboradores também a partir de materiais de arquivos coletados em viagens. “Esse clipe, que acabou servindo como uma onda para os outros, foi criado a partir de memórias, de imagens de arquivo, lados b de projeto, coisas que você nem lembra que têm. Então, acho que é momento certo pra resamplear isso, remixar essas coisas. Esse clipe é basicamente isso, imagens de arquivo e coisas bem antigas jogadas num liquidificador”.

Nossa viagem termina com “SP Grain”, faixa ambientada numa chuvosa São Paulo. “Eu tinha voltado de uma viagem ao nordeste, de duas semanas de sol, e São Paulo chovendo sem parar. Ela ia chamar ‘SP rain’, mas ia ficar muito direto, então eu mudei. É ‘grain’ porque tem a chuva, mas também tem o grão da música, do sample. E é SP porque remete à cidade, mas também pode significar sample”. Apesar de não conter nenhum sample gravado diretamente por aqui, a música tem o clima dessa cidade que acolheu o músico durante os últimos anos. É de certa forma também uma despedida, um último retrato dessa viagem antes de Jovem Palerosi voltar ao interior.

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Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts