A Estrela Negra de David Bowie

O que podemos esperar do novíssimo álbum do Camaleão?

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Novamente estamos nós, reles mortais, especulando sobre o que David Bowie nos trará em um novo álbum, prestes a ser lançado. Esta sensação é para poucos privilegiados, pessoal. É coisa deste tempo em que vivemos, deste espírito das épocas, algo que não se repetirá para os seus filhos. Mesmo que novos Bowies surjam, o primeiro, o primordial, o que deu origem à série é nosso e ninguém tasca. A euforia evidente do articulista de justifica a partir do momento em que Blackstar, vigésimo-quinto disco da carreira de David, tem sua data de lançamento confirmada para o dia 8 de janeiro de 2016, exatamente quando o Camaleão completa seus 69 anos de vida. Convenhamos, o sujeito não escolheria esta data por caso. A julgar pelas duas amostras musicais do novo álbum que pintaram por aí, o trabalho é, no mínimo, inquietante. O que podemos esperar?

A primeira pista surgiu no ano passado, quando foram lançadas as coletâneas Nothing Has Changed, uma canção inédita acompanhava as clássicas faixas de antanho: Sue (Or In A Season Of Crime). Não houve quem achasse a canção “normal”, e ainda foi possível perceber uma estranha semelhança com uma velha faixa de … Milton Nascimento: Cais, lançada em 1972, no mítico álbum Clube da Esquina. O próprio Bowie confessou que se inspirara no fraseado de piano, erguido por Wagner Tiso, para a composição de Milton e Ronaldo Bastos, certamente uma das mais conhecidas e clássicas gravações da música brasileira em todos os tempos, sem exageros. Quando as compilações foram lançadas, não havia qualquer perspectiva de novo lançamento por parte de David, mas, sem que ninguém soubesse, ele já estava tramando Blackstar nos subterrâneos de Nova York.

Há poucos dias, tivemos a chance de ouvir a faixa-título, através de um estranhíssimo clipe, lançada na Internet mundo a fora. Nesse filminho, Bowie aparece como um profeta cego, em meio a cenas do espaço e criaturas bizarras como se fossem espantalhos crucificados. Até aí tudo bem, o repertório de imagens incomuns é ideário da linguagem do videoclipe, algo que funciona para o bem e propõe danação eterna para o mal. No caso de Blackstar, a canção, tão ou mais estranha que as cenas, não chegou a incomodar. O produtor Tony Visconti, parceiro de David desde priscas eras, novamente no comando do estúdio, confessou que a dupla não tem um disco de Rock como seu objetivo principal. Interessante notar que o álbum anterior, The Next Day, lançado há dois anos após um hiato de mais de uma década, era bastante interessante, ainda que convencional, muito próximo do que entendemos por um “disco de Rock”.

O processo criativo de Blackstar se iniciou por conta da gravação de Sue, quando Bowie recrutou o saxofonista Donny McCaslin e o baterista Mark Guiliana para tocar na canção. Ambos foram vistos ao vivo por David dias antes num clube de Jazz no West Village novaiorquino. Impressionado com o rendimento ao vivo dos dois, o Camaleão viu que ali estava um bom caminho para seguir. Ainda não havia a ideia de lançar um novo álbum, mas o resultado obtido na primeira canção motivou Bowie o suficiente para que ele compusesse outras seis músicas, dando forma e conteúdo a um disco de inéditas. Com Visconti na produção, a dupla de músicos foi novamente recrutada, acrescida de outros instrumentistas vistos por Bowie no mesmo clube de Jazz, a saber, o tecladista Jason Lindner e o baixista Tim Lefebvre. Com este quarteto, acrescido do guitarrista Ben Monder, também de formação jazzística, David Bowie adentrou o estúdio com a intenção de gravar algo bem distante do que entendemos por música Pop.

Tony Visconti comentou, em entrevista recente, que a inspiração para o novo trabalho veio de diferentes fontes. Segundo ele, David esteve imerso em audições de gente nova, como Kendrick Lamar, por exemplo. Não é o caso de esperar um disco de Hip Hop, mas é possível perceber que o sujeito ouve de tudo e tem a mente aberta, provável condição para sua condição atual de portador da novidade. A carreira de Bowie é irregular, com um saldo muito grande de acertos em relação aos erros já cometidos. Uma constante sempre se manteve: a inquietação artística. O desejo de reinvenção é característica primordial na obra de David e isso não mudou com o tempo.

Se ele pavimentou caminhos e influenciou uma geração de músicos e bandas com álbuns como Low ou Heroes (ambos de 1977), assimilou e reempacotou informações em diferentes épocas, da música eletrônica noventista em Earthling (1997) ao Funk oitentista em Let’s Dance (1983), passando por inúmeros trabalhos eminentemente originais desde fins dos anos 1960, por que não esperar que o velho Camaleão surja com informações suficientes para fazer a cabeça de mais uma horda de artistas? Estamos ansiosos por Blackstar, chega logo, 2016!

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ARTISTA: David Bowie
MARCADORES: Jazz, Novo álbum

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.