A Herança Introvertida do Violão Dedilhado

Conheça a história e algumas repercussões atuais da vertente mais melancólica da técnica do fingerpicking, o Folk Baroque

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A técnica dedilhada do violão, que vem se disseminando de modo tão amplo desde as origens do instrumento, se tornou muito difícil de rastrear em suas inúmeras vertentes espalhadas pelos os dias atuais. Um fato inegável é que tal técnica, – que consiste basicamente em tocar as cordas com a ponta dos dedos, ao invés de todas as cordas ao mesmo tempo de modo ritmado -, continua sendo largamente utilizada, não apenas em seus estilos já consagrados, como o próprio Violão Clássico e o Flamenco, por exemplo, ou até mesmo por outras vertentes populares como o Blues e o Country, mas continua sendo reinventada ao gosto do artista até os dias de hoje e continuam sendo relevantes e constantemente reapropriadas de maneiras muito interessantes.

Dentre todos os fingerstyles que existem, uma vertente norte-americana chamada fingerpicking (que ganhou o nome pelo uso levemente diferenciado e particular que fazia do dedilhado) deu origem a um estilo próprio, que acabou gerando, por sua vez, uma série de outros relacionados. Unidos a um leque amplo de diferentes influências, tradicionais ou não, toda a diversidade de vertentes, revelou, através dessa retroalimentação criativa altamente produtiva, artistas populares de muito talento. Um dos estilos que essa técnica gerou diz respeito a algumas categorias de música Folk e, assim, neste artigo vamos relembrar brevemente essa história, aproveitando para dar uma olhada em quais são algumas repercussões atuais de um sub-gênero específico, o Folk Baroque.

Origens

A técnica do fingerpicking foi largamente utilizada nos Estados Unidos em suas origens, que remetem ao Blues do início do século XX, estilo no qual os guitarristas tentavam imitar o piano de ragtime da época, na qual o dedão funcionava como a mão direita do pianista, tocando as notas do chamado “baixo alternado”, enquanto o restante dos dedos imitava a mão esquerda, com os arranjos da melodia.

A técnica atingiu a música Country, e, graças a duas figuras principais dos anos 50, teve a sua difusão consagrada. Merle Travis e Chet Atkins, são os músicos que, por usarem um padrão para dedilhar um pouco diferente dos mais usuais, logo tiveram seus nomes associados a uma nova técnica, uma das mais famosas atualmente, que ficou conhecida como travis picking, e, desde então, vem se difundido ao redor do mundo com diversas particularidades.

Na década seguinte, sob a influência do Folk, Country Jazz e Blues americanos, do outro lado do Atlântico, no início dos anos sessenta, os artistas ingleses sofreram um revival do estilo e, associando às próprias tradições folclóricas da música britânica, puderam, graças à sutileza da técnica do travis picking, criar sua própria linguagem, um pouco mais melancólica e sutil do que suas influências haviam sido até então. Este estilo ganha um nome próprio e é mais amplamente conhecido por Folk Baroque.

Folk Baroque

Os grandes nomes consagrados das origens deste tipo do Folk Music são Davy Graham e Martin Carthy, que tentaram associar as técnicas dedilhadas vindas, como já dito anteriormente, do Blues, Jazz e Country americanos com a música tradicional inglesa, mas, além disso, com as linhas melódicas tradicionais das músicas Celta e Medieval Britânica. Graham foi, inclusive, um dos pioneiros a usar uma afinação instrumental própria para seu estilo próprio, advinda da música Celta e influenciou grandes instrumentistas, como o Jimmy Page (Carthy, por sua vez, também foi muito influente, mas vamos falar sobre isso um pouco mais detalhadamente daqui a pouco).

A geração mais próxima dessas origens conta com os nomes proeminentes de Tim Buckley (músico tão talentoso que deixou a sensibilidade de herança para os demais membros da família, como o filho Jeff Buckley, que, por conta de sua morte precoce, nos deixou apenas um – embora maravilhoso – álbum e Nick Drake, músico também conhecido por sua personalidade muito melancólica, que teve seus três álbuns oficiais incluídos entre os melhores da história.

Disseminação e Caminhos Atuais

A influência dos fundadores, por assim dizer, do Folk Baroque se alastrou mundialmente (ainda bem, não?) e, assim, a união de músicas tradicionais com o violão dedilhado melancólico tem dado origem a inúmeras apropriações da técnica até hoje. Ainda na década de 60, berço do estilo, Martin Carthy foi quem, pessoalmente, ensinou seu arranjo de Scarbourough Fair (que é, na verdade, uma canção tradicional inglesa) para Paul Simon, do sutilíssimo duo de beleza inconfundível, Simon & Garfunkel. Há também, no álbum da dupla de 1966, Sounds of Silence, uma gravação cover da famosa música de Carthy, Anji, selando irrefutavelmente a herança do estilo da dupla.

Dando um salto anacrônico e geográfico até os dias atuais, mas mantendo uma linha direta no que diz respeito à herança, uma dupla que inegavelmente sofreu a influência de Simon & Garfunkel são os noruegueses do Kings of Convenience. Também utilizando bastante o violão dedilhado e o duo de vozes aveludadas a banda, de 3 álbuns gravados na década de 2000, Quiet is the New Loud de 2001, Riot on na Empty Street de 2004 e Declaration of Dependence de 2009, já contou com participações de outros nomes incríveis em seu projeto, como a da cantora canadense Feist. Além do projeto paralelo The Whitest Boy Alive, Erlend Øye acabou de lançar uma faixa de seu futuro disco em projeto solo, cantando em italiano.

Outro músico inglês, Keaton Henson, usa as fontes do estilo a seu favor. Altamente introvertido, o músico, tímido e melancólico (já pudemos notar que essa personalidade é típica no estilo, não à toa) usa a sutileza da técnica para ambientar sua sonoridade, tão delicado que parece muitas vezes apenas esbarrar delicadamente nas cordas para soar o mínimo sonoro necessário do bittersweet em suas canções.

Bem, como sempre, os nomes são tantos que me parece impossível ater-se à totalidade de exemplos, assim como à fidelidade ao estilo e suas sub-categorias, uma vez que as vertentes e suas respectivas influências são tão particulares e tão sobrecarregadas de referências hoje em dia. Como eu disse lá no começo do artigo, vêm se disseminando de modo tão amplo desde suas origens que se tornou muito difícil de rastreá-lo atualmente. De qualquer modo, os nomes apresentados aqui já são um excelente começo, e, quem sabe, volto em breve com mais exemplos e suas particularidades num artigo de um futuro não muito distante.

Enquanto isso pegue seu café, respire fundo e boa viagem!

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Autor:

é músico e escreve sobre arte