A lua de KAZU e o sonho lúcido de Benke

“Adult Baby”, faixa-título da estreia solo da cantora nipo-americana, ganhou remix feito pelo guitarrista do Boogarins; conversamos com a dupla sobre a parceria, a admiração mútua, produzir em florestas e o céu de Monet

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Fotos: Tania Feghali

Tons de rosa e azul (provavelmente bebê) tingem a nova versão de “Adult Baby” da cantora, compositora e multi-instrumentista nipo-americana Kazu Makino, no seu convite a fechar os olhos e ouvir o frescor da faixa que dá título ao seu disco de estreia. “Se o remix fosse um quarto, as paredes também seriam cinza-metálico e teriam cheiro de mar e a sensação de extravasar da maresia”, conta KAZU. Não sei quão turbulentas estariam as ondas, mas certamente seriam tão refrescantes quanto as notas que revisitação permite. As novas cores e texturas surgem a partir do talento e da vibração de Benke Ferraz, guitarrista do Boogarins. No ar desde junho, o Dream Pop com nuances psicodélicas e a luminosidade da House Music pulsa e fortalece os encontros musicais que – agora mais do que nunca – já não precisam do caráter físico para acontecer.

“A ponte foi feita por intermédio do selo LAB 344, responsável pelo lançamento dos discos Adult Baby e Sombrou Dúvida – esse último, nosso mais recente trabalho. Escutei o disco, primeiramente, sem entender que ela era a vocalista da Blonde Redhead e me impressionei. Ao ver a ficha técnica, fiquei ainda mais impressionado, porque é, de fato, um trabalho produzido lindamente por mãos muito talentosas”, conta Benke. A admiração é recíproca e “Eu Vou”, “Avalanche”, “Onda Negra” e “Desandar”, são as favoritas de KAZU quando o assunto é o quarteto goiano. “Admiro e até invejo de certa forma quão relaxados e vivos eles soam no processo de gravação. Amo muito isso, de verdade”.

Dar play no primeiro projeto solo de KAZU é adentrar em um caminho que hesita entre o desconhecido e o familiar, e o verso “you don’t know nothing about me” – existencial e contundente como o “you don’t know me”, de Caetano– abre “Adult Baby”. O enigma parece impulsionar o misticismo e a intuição que afloram ao longo do repertório do disco, sempre permeadas pelo poder metafórico da dicotomia entre juventude e idade adulta, entre o bebê e o adulto.

E mesmo que a cantora não tenha tantas boas lembranças de ser uma criança, ela traz consigo o brilho nos olhos das nossas primeiras descobertas durante idade mais curiosa, impressionante e sublime. “Aprendi muito sobre coisas materiais, texturas ou cheiros. E também sobre como encontrar beleza ao redor de tudo o que carrego comigo hoje. ‘Adult Baby’ me leva ao subconsciente, ao cerne do que realmente desejo, mesmo que pareça mais com quem eu me tornei hoje. Como se tivesse mudado e, ao mesmo tempo, continuado com as coisas que me impediram em determinados momentos da minha vida. Por isso, o disco representa para mim essa renovação”, reflete.

As narrativas das nove músicas vêm envelopadas pela doce voz da cantora, ecoadas em meio a referências do Indie e do Dream Pop, com toques experimentais-psicodélicos. Versos de redescobertas e reflexões sobre autoconhecimento já antecipavam o período de aprendizado vivido por KAZU durante o isolamento social E mais: a expansão da habilidade como criadora e extensão-criatura de seu processo sonoro.  A multi-instrumentista passou esses últimos tempos isolada no norte do estado de Nova Iorque, imersa na gestação de um novo disco, novamente ao lado de Sam Owens, coprodutor de Adult Baby. Além disso, ela divide seu tempo entre o estúdio Flying Cloud e a natureza. “Passei todo o meu tempo de quarentena no interior das florestas. Estava distante e me senti muito grata por poder continuar fazendo música naquele ambiente. Agora, estou de volta à cidade há uma semana, mas vim para dar um talento no meu apartamento e acredito que vou me mudar antes que a segunda onda nos atinja”, vislumbra. (Quem assistiu à distopia-triste-bem-humorada O Lagosta, dirigida pela mente amalucada e genial de Yorgos Lanthimos, concebe a imagem de humanos respeitando uma distância social dançando com fones de ouvido, cada um na sua frequência – que se torna, a cada momento, ainda mais real, seja no Norte do estado nova-iorquino ou nos tons terrosos do interior de Goiás).

Os aprendizados também vêm nas coisas mais singelas: cozinhar, lavar bem as mãos e ler nesses tempos bicudos e reflexivos podem ser trunfos. Mas também “ser respeitosa com os outros e ser transparente, além de todas aquelas outras coisas que achava que sabia bem, mas que agora tenho a possibilidade de reaprender a como fazê-las muito melhor”.

Um escape mais gentil

“Faz deste céu um escape mais gentil” é uma marcante frase de “Inocência”, single lançado recentemente pelo Boogarins. Em um mundo lotado de problemas de gente grande, temos nos apegado às pequenezas da existência, como contemplar o céu. Momentos de respiro e lampejos de serenidade ganham ainda mais força e expansão com ferramentas catalisadoras como a música. KAZU e Benke, à luz de “Adult Baby”, imaginaram o planeta, a atmosfera e a companhia que gostariam de sentir à flor da pele, caso fosse possível deixar o planeta terra como conhecemos, pelo menos por um instante.

(Foto: Eva Michon)

“Iria para a Lua e vestiria algo confortável para dormir. Traria comigo meu biquíni. Meu cavalo Harry, meu cachorro Colette e meu gato, Penne”, imagina. Já Benke enxergou imagens onírico-cinematográficas ao ouvir o remix. “Quando juntei as ideias todas e saí caminhando pela rua de tarde escutando no fone, tive a sensação de ser transportado para a Manhattan do sonho lúcido que rola em Vanilla Sky  (2001), o filme do Cameron Crowe. Principalmente, quando as cordas surgem no final. O som me passa a sensação de estar numa metrópole gigante e perfeita – altamente utópica. Com aquele Céu de Monet iluminado por um sol cinematográfico que ilumina, mas não esquenta, te deixando usar um blazer”.

Para acompanhar a viagem sonora, o músico ainda indica um café bem forte, sem açúcar. “Para te dar aquela ‘chapação’ quase natural, para poder dançar sem perder a elegância na pista da matinê – já que estamos no modo sonho-lúcido da metrópole que não anoitece [ri]”. E, na pista de KAZU, Benke é quem comandaria as batidas e os corpos dançantes. “Para ser honesta com você, eu não consigo pensar numa festa que não pareça muito perigosa no atual cenário de pandemia, mas eu adoraria ouvir o Benke tocar e orquestrar os movimentos da galera enquanto estivesse sentada para não perder nenhum detalhe”, diz ela.

Enfeitadas de rosa e lilás e douradas pela luz solar, as notas revisitadas de “Adult Baby” atravessam a nossa busca por algo além do palpável – mesmo que adormecida em momentos mais burocráticos do dia, como diz KAZU: “A música, a natureza, os animais e algumas pessoas me mantêm viva até os dias de hoje, essas representam as descobertas mais brilhantes e o cais mais forte que encontrei pelo caminho.”

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ARTISTA: Benke, Boogarins, KAZU